Título: A legitimidade do Copom
Autor: ALEX LUIZ FERREIRA
Fonte: O Globo, 13/01/2005, Opinião, p. 7

Ocrescimento do PIB no ano de 2004 esteve atrelado não só à queda dos juros em 2003 como também à mudança favorável nas expectativas dos agentes, ao crescimento das exportações e à expansão do crédito. Como estes fatores não dependem, em vários graus, das ações do Conselho de Política Monetária (Copom), o Banco Central não poderia ser a única instituição responsável pela defesa do poder de compra do real.

Esta constatação não é novidade. Faz tempo que a política fiscal está subordinada à política monetária: superávits primários destinam-se ao pagamento de juros, que financiam a defesa do real. Tal subordinação deriva-se de um arranjo político e institucional que permite ao Banco Central utilizar-se das taxas, a despeito das variações do PIB e do impacto nos gastos públicos, para cumprir sua missão, que é unicamente o controle da inflação.

Esta afirmação é tanto mais verdadeira quanto mais independente for o Banco Central. Talvez seja por este motivo que o independente FED (banco central americano) possui como missão não só a estabilidade de preços mas também o nível de produção e emprego.

Reduções drásticas do crescimento do produto, como a que ocorreu em 2003, ajudaram a conter a inflação e podem ter salvado o sistema de metas, mas foram dolorosas pois significaram empregos, habilidades e oportunidades perdidas. O efeito da política de estabilização de preços pode, tanto quanto a inflação, ter efeitos negativos sobre o crescimento de longo prazo da economia.

A alta taxa de juros desloca o investimento produtivo tanto privado como público e o crescimento da produtividade também pode se reduzir, pois o aprendizado tecnológico diminui com a queda da produção. Então, suavizar as flutuações do PIB ao longo de sua trajetória de crescimento é outro objetivo legítimo da sociedade.

As variações da taxa de câmbio tendem a ser selvagens em países como o Brasil e o seu efeito nos preços é significativo. Após o choque de câmbio há realinhamento de preços relativos ¿ o qual pode ser confundido com inércia inflacionária e o Copom reage fortemente aumentando os juros. Quando as taxas iniciam uma trajetória de subida, sua direção é revertida somente de forma infreqüente.

A queda é realizada numa seqüência de passos graduais e as taxas não caem na mesma velocidade quando o câmbio se aprecia. Portanto, o impacto fiscal é sentido por bastante tempo. Esta conduta de persistência na política de juros altos é ótima para os objetivos mais gerais da economia brasileira, ou as taxas deveriam ser mudadas mais rapidamente? Até que ponto o medo da inércia vivido pelas autoridades monetárias é fundamentado?

Vários analistas perceberam que as taxas poderiam ter caído mais ativamente e convergido para níveis de equilíbrio menores quando o dólar e o risco Brasil começaram a despencar há mais de um ano. É provável que o aquecimento da economia teria sido mais forte do que o atual. Mas também é verdade que haveria muito mais espaço no orçamento público para os gastos com juros e, hoje, o Banco Central poderia reagir com mais liberdade à mudança nos fundamentos econômicos.

Há várias questões operacionais e institucionais relacionadas ao funcionamento do Conselho. Por exemplo, o uso do viés foi sistematicamente esvaziado, o que criou nervosismo ou a ¿tensão pré-Copom¿. Por que talvez não deixar o próprio mercado, através dos leilões de títulos do tesouro, decidir o valor dos juros básicos ¿- de acordo com o viés ¿ durante o período entre as reuniões do Copom? Por que o Conselho é formado por todos os diretores do Banco Central? Quais são os critérios de seleção dos consultores da diretoria? Por que não envolver outras esferas do próprio governo, já que muitos dos grandes atores econômicos (o BNDES por exemplo) podem ser responsáveis diretos pela inflação? Como forma de enriquecer e, talvez, trazer mais legitimidade ao debate, por que não há participação de pesquisadores independentes como os de centros de pesquisa em economia? Não é preciso reconhecer explicitamente (no valor da meta) que variações da inflação mundial acima do esperado afetam o alcance do alvo?

Tanto a ojeriza pela inflação quanto pelo baixo crescimento econômico é justificada num país como o Brasil. A sociedade vive um ansioso desejo de conciliar estabilidade de preços com crescimento econômico, menores gastos com juros e mais gastos sociais. As autoridades econômicas e o formato das nossas instituições não foram capazes de entregar esta fórmula. É por isso que se requer mudanças, as quais deveriam ser desafio (e responsabilidade) do Congresso e do próprio presidente.