Título: Cotas não são um favor, afirma o presidente
Autor: Cristiane Jungblut e Luiza Damé
Fonte: O Globo, 14/01/2005, O país, p. 5

O presidente Lula defendeu o sistema de cotas nas universidades durante a solenidade em que sancionou o ProUni, no Palácio do Planalto. Segundo o presidente, ao destinar parte das vagas em universidades para negros e índios, o governo tenta quitar uma dívida social. Para o presidente, os ricos se incomodam quando os pobres ganham espaço na sociedade.

¿ Não estamos fazendo nenhum favor ¿ disse Lula. ¿- Na hora em que vocês entram, e no Brasil sempre foi assim, na hora em que o pobre conquista um milímetro de espaço, ele incomoda. Mesmo que não tenha tirado um milímetro de espaço dos ricos, eles ficam incomodados: como é que o pobre está alcançando alguma coisa que até então não era para pobre?

O presidente também arrancou aplausos ao elogiar a ¿sensibilidade e o grande coração¿ do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, que liberou dinheiro para o ProUni.

¿ Mas se o Palocci não for duro, cada deputado, cada senador, cada ministro acha que é só chegar lá e pedir ¿ disse Lula.

Solenidade tem tom de assembléia estudantil

A solenidade lembrou uma assembléia estudantil. Integrantes de movimentos favoráveis ao projeto do governo saudaram os oradores com gritos, palmas e palavras de ordem. À vontade, Lula, que não tem curso superior, pôs o boné amarelo do Movimento dos Sem Universidade (MSU). Ao discursar, brincou com os presentes, afirmando que ele e o vice José Alencar, que também não cursou a universidade, poderão ser beneficiados com uma bolsa do ProUni.

¿ Pela primeira vez vocês têm um presidente e um vice que não têm diploma universitário, e pelas mesmas razões que vocês, que não tinham oportunidade antes de criar o ProUni. Quem sabe quando deixarmos o mandato, eu e o José Alencar seremos bolsistas? Mas, se conseguirmos atingir a linha de corte, vão dizer: isso é proteção porque ele foi presidente.

Antes de discursar, o presidente ouviu longos discursos do representante do MSU, Sérgio Custódio, e de uma mulher beneficiada por uma bolsa de estudos, Solange Aparecida Ferreira, que, aos 44 anos de idade, vai cursar gastronomia. Integrante do movimento Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro), a dona-de-casa Solange falou por quase 40 minutos, contando sua vida. Solange afirmou que os negros brasileiros nunca foram libertados e que quem é contra o ProUni e o sistema de cotas deve deixar o país.

¿ Espero que o ProUni não seja uma mentira como foi a Lei Áurea ¿ disse Solange, interrompida por parte da platéia, que passou a gritar ¿Che, Zumbi e Antônio Conselheiro¿.