Título: Justiça condena servidores da Febem por tortura
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 14/01/2005, O País, p. 12

A Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (Febem), um dos calcanhares-de-aquiles da administração Geraldo Alckmin (PSDB), está na mira das autoridades estaduais. Ontem, o Ministério Público anunciou a primeira condenação de ex-funcionários da entidade em São Paulo por crime de tortura. No total, dez funcionários foram condenados. Em outro caso, 16 funcionários da Febem estão presos e mais sete estão sendo procurados acusados de agredir menores na unidade da Febem de Vila Maria, Zona Norte. Foi o maior indiciamento coletivo por tortura da História do Brasil, segundo o Ministério Público.

Os funcionários foram condenados pelo juiz da 10 Vara Criminal de São Paulo, Carlos Fonseca Monnerat, por crimes de tortura praticados contra jovens infratores da unidade Parelheiros, em 2002. Hoje, apenas um deles, Valter dos Santos, está preso.

Segundo depoimentos colhidos pelo juiz, 14 funcionários fizeram um corredor polonês e espancaram com pedaços de madeira um grupo de garotos flagrado fumando maconha. Eles queriam saber quem vendera a maconha. Segundo os adolescentes, foi o funcionário Alexandre Soares quem comandou a agressão.

Promotores encontraram instrumentos de tortura

Numa vistoria, promotores encontraram sob o tampo falso de uma mesa uma série de instrumentos de tortura como pedaços de pau, barras de ferro, correntes com cadeado e mangueiras de extintor de incêndio. Depois da surra, os rapazes foram obrigados a tomar banho gelado para disfarçar os hematomas. Os funcionários alegaram que apenas se defenderam dos adolescentes.

¿ Temos bandidos acusando pais de família ¿ defendeu-se em juízo Valter dos Santos.

Depois das agressões, um dos garotos foi transferido para a ala dos acusados de crimes sexuais. Diante das ameaças de funcionários e de outros jovens, ele se feriu com uma lâmpada quebrada para conseguir uma transferência.

¿ Pior do que me cortar, era alguém vir cortar meu pescoço ¿ disse o garoto em depoimento na Justiça.

Quatro acusados foram absolvidos. A única condenação por tortura registrada antes no estado ocorreu na Febem de São José do Rio Preto, onde até o diretor foi acusado de conivência com as agressões.

¿ A sentença é um marco histórico. É a primeira vez que isso acontece em São Paulo desde a criação da Lei da Tortura, em 1997. Até então a tortura era descaracterizada como lesão corporal, abuso de autoridade ou maus tratos ¿ disse o coordenador da Pastoral da Criança, padre Júlio Lancelotti, um crítico notório da política tucana para a Febem.

Já o Sindicato dos Funcionários da Febem acusou o governo de agir com finalidade política, já que os trabalhadores planejavam uma greve.

¿ Isso é ridículo. Qual a motivação política? Encontramos mais de 60 garotos muito machucados e a Justiça tomou uma decisão ¿ reagiu o secretário estadual de Justiça, Alexandre de Moraes.

Segundo o promotor Afonso Presti, responsável tanto pela ação já julgada como pelo acompanhamento das investigações de torturas na Vila Maria, pelo menos outros cem funcionários e ex-funcionários enfrentam processos semelhantes apenas na capital.

¿ A tortura não é um problema institucional da Febem. A direção da instituição não compactua. Mas certamente é um problema cultural ¿ afirmou o promotor.