Título: Invasão verde-amarela
Autor: Helena Celestino, Ledice Araujo, Fernanda Medeiros
Fonte: O Globo, 14/01/2005, Economia, p. 27

A bandeira brasileira voltou a tremular na loja de departamentos Bloomingdale¿s. Depois de dois anos de ausência, o verde-amarelo retornou ao templo do consumo nova-iorquino numa indicação segura de que os turistas brasileiros estão de volta aos EUA. O dólar mais barato e uma ligeira melhora no tratamento dispensado aos estrangeiros pelo serviço de imigração americano foram suficientes para criar um pequeno boom de brasileiros nos parques da Disney, em Orlando, nas estações de esqui do Colorado e por toda a parte em Nova York, dizem funcionários de companhias aéreas, donos de restaurantes e diplomatas.

Maior operadora de turismo do Brasil, com cem filiais, a CVC registrou em 2004 um crescimento de 25% a 30% nos contratos de viagens para os EUA. Flórida foi o destino mais procurado, com 4.100 viagens; Nova York recebeu cerca 1.800 turistas brasileiros da CVC, 30% a mais que em 2003. O movimento esquentou no último trimestre, com o estímulo do dólar mais baixo, e agora, no período de férias escolares. Outro atrativo é o parcelamento em três ou quatro vezes. Em caso de parceria com as companhias aéreas, a viagem pode ser paga em até dez prestações.

Na TAM Viagens, agência de turismo da companhia aérea, as vendas de pacotes para os EUA cresceram durante todo o ano de 2004:

¿ Vendemos 2,5 vezes mais pacotes do que em 2003 ¿ diz Sylvio Ferraz, diretor executivo da empresa. ¿ Boa parte deles no fim do ano.

Instruções de esqui em português

A Delta Airlines colocou, a parti de novembro, um segundo vôo diário de Atlanta para São Paulo e pretende criar mais uma linha direta para o Rio de Janeiro. A Varig está com os vôos praticamente lotados até março, e em 2004 não teve baixa estação que fizesse os aviões voarem mais vazios.

¿ Há pelo menos seis meses está ocorrendo um aumento de passageiros e os vôos estão bastante cheios para Nova York, Los Angeles e Miami ¿ diz Suzana Cunha, gerente da Varig no aeroporto John Fitzgerald Kennedy, em Nova York.

Em Aspen e Snowmass, as instruções na escola de esqui, pela primeira vez, também estão escritas em português. Há muitos grupos só de crianças brasileiras aprendendo a deslizar pelas montanhas com professores brasileiros ou falando portunhol. As estatísticas da prefeitura de Orlando são fechadas com muito atraso, mas mostram uma expansão contínua desde 2003 no número de turistas do Brasil para a Disneyworld. A expectativa é que eles voltem a superar a marca de cem mil em 2006.

¿ O último número fechado mostra crescimento de 15,3% em 2003, com 68 mil visitantes. Prevemos que em 2005 serão 89 mil brasileiros aqui na Disney, mais 17,2%. Apesar de um aumento forte, o número ainda está muito abaixo dos 190 mil que estiveram aqui em 2000 ¿ diz Nathaniel Eberle, do Departamento de Turismo da prefeitura de Orlando.

Em Nova York, os brasileiros são vistos circulando cheios de sacolas de compras pelas duas churrascarias Plataforma e comendo feijão no Empório Brasil, lugares tradicionalmente freqüentados quando a saudade aperta. Mas o português também tem sido ouvido com freqüência em restaurantes de luxo de Manhattan, nos shows da Broadway e em hotéis caros.

¿ É um turista com perfil diferente daquele da época do real um a um com o dólar. Ele está interessado em grifes ¿ afirma João de Mattos, um dos sócios da Plataforma.

O frisson por eletrônicos ¿ comprados na Rua 46 em lojas de brasileiros em Nova York ¿ acabou, com o fim da paridade dólar-real. Neste início de janeiro, os turistas estão aproveitando as liquidações por toda a cidade e não resistem aos camelôs de Chinatown que vendem bolsas piratas de marcas famosas a preços de banana. No Colorado, a maioria é de paulistas que vai esquiar em Snowmass, estação menos cara do que a sofisticada Aspen mas onde o turismo não é nada baratinho: não há um único McDonald's nas duas cidades, os hotéis custam a partir de US$ 118 a diária, os equipamentos de esqui são alugados por US$ 30 ao dia e as aulas em grupo saem por US$ 150.

Passeio cultural em Nova York

Os números do Departamento de Viagem e Turismo dos EUA revelam que, de janeiro a setembro de 2004, visitaram o país 282.120 brasileiros, um crescimento de 12,8% em relação ao ano anterior. Mas o cônsul do Brasil em Nova York, Julio Cesar Gomes, diz que desde dezembro cresceu o número de turistas na cidade. Por obrigação profissional, ele recebe muitos brasileiros e percebe que se ouvem cada vez mais famílias inteiras falando português em ruas, hotéis e restaurantes.

Apesar de reclamar de que fazer compras é quase impossível, a família de Dalva Lazzaroni veio toda passar o réveillon nos EUA: ela, o marido, os três filhos (entre eles o deputado André do PV), as três noras e os dois netos. Foram primeiro para Orlando, passaram a virada do ano no Epcot Center e estão em Nova York desde o dia 7, num hotel junto ao Central Park.

¿ A família toda decidiu vir, fizemos uma viagem mais cultural. Fomos às exposições do Metropolitan, do Guggenheim, vimos Les Cages aux Folles (¿Gaiola das loucas¿) na Broadway. Agora que o dólar caiu, deu uma animada ¿ diz André.

A gerente da área internacional da CVC, Barbara Picolo, explicou que não foi apenas o dólar em queda que estimulou as viagens às cidades americanas. Também ajudou o clima mais tranqüilo e seguro nos EUA, três anos após os atentados de 11 de setembro de 2001, e também a economia mais estável no Brasil:

¿ O recuo nas viagens internacionais vinha acontecendo desde 1999, quando houve a grande desvalorização do real. Agora percebemos que adolescentes e crianças não viajam mais sozinhos, como acontecia anteriormente. Os pais acompanham nos pacotes para Flórida, Orlando, Miami, Califórnia, São Francisco e até Las Vegas. Mantendo-se o cenário atual, estimamos que de três mil a quatro mil brasileiros sairão para a Flórida nas férias de julho.

O presidente da regional Rio da Associação Brasileira das Agências de Viagens (Abav), Carlos Alberto Amorim Ferreira, também diz que o crescimento tem sido estimulado pela valorização do real e pelo reaquecimento da economia. Entre os destinos mais procurados, ele cita Miami, Nova York e Orlando.

Para 2005, a TAM Viagens também espera um grande crescimento. Em alguns casos, em especial aqueles que levam a Orlando, a intenção é dobrar as vendas de pacotes. Embalada pelas vendas, a TAM aumentou em junho passado o número de vôos, passando a ter duas saídas diárias para os EUA em vez de uma. Isso aumentou em 58% o número de passageiros transportados. Segundo Ferraz, todos os vôos para os Estados Unidos têm saído lotados.