Título: Linguagem do campo
Autor: Xico GrazianoI
Fonte: O Globo, 18/01/2005, Opinião, p. 7

Imagem. Aqui reside, certamente, o maior desafio da agropecuária brasileira. Nos países desenvolvidos, a sociedade valoriza o campo. No Brasil, ainda o trata com desdém. Isso precisa mudar.

Essa tarefa cabe, inicialmente, aos próprios agricultores. No mundo da informação, já ensinava o glorioso Chacrinha, quem não se comunica se estrumbica. Apartar-se é um defeito comum do ruralismo.

As lideranças agrícolas nem sempre conseguem destacar, para o conjunto da sociedade, a importância de sua labuta. Continuam a falar para o umbigo. Há uma barreira de comunicação, difícil de ser rompida, entre o campo e a cidade.

A situação está melhorando. Veículos de comunicação de massa lançam produtos destinados ao campo. O Canal Rural surgiu em 1997 e, embora tenha fechado seu sinal, mantém boa audiência na Região Sul. Depois chegou o Canal do Boi. Ambos os canais de TV, embora dirigidos ao público segmentado, contam com simpatizantes urbanos.

Facilita essa disseminação a antena parabólica. Presente nas fazendas longínquas, o equipamento é disseminado na periferia urbana. Estima-se que 10 milhões de lares a utilizam. O saudosismo das famílias e, certamente, a chatice e o baixo nível da televisão brasileira empurram telespectadores do asfalto para o meio telúrico.

Está chegando uma grande novidade: vem aí o Terra Viva, canal de agronegócios ligado à Rede Bandeirantes. Além de cobrir leilões, eventos e feiras da Agrishow, pretende valorizar a informação e ressaltar as virtudes do meio rural. Vai, assim, formar opinião na defesa do setor agropecuário. Bem-vindo, Johnny!

Esse movimento da mídia nacional não ocorre por acaso. Espelha um reconhecimento da força econômica dos agronegócios. Por esse motivo a revista ¿Veja¿ lançou, já por duas vezes, edições especiais sobre a agricultura e suas cadeias produtivas. A revista ¿Exame¿, tradicionalmente dirigida ao empresariado urbano-industrial, seguiu no mesmo caminho. Por sua vez, a revista ¿IstoÉ Dinheiro¿ cria um formato específico para o meio rural. Nota dez.

Claramente, os empresários da comunicação investem em novo filão de mercado, de olho nos leitores e, óbvio, em seus patrocinadores. Se tal ocorre, se a sociedade e a mídia nacional miram o campo, isso se deve à revolução tecnológica e produtiva que transformou a velha oligarquia em modernos empresários rurais.

Nem tudo, todavia, são flores. O preconceito e o desconhecimento permeiam ainda entre formadores de opinião, jornalistas e políticos. Facilmente se observa o preconceito urbanóide na suposta questão do trabalho rural escravo, como se no campo ainda dominasse a escravatura. É o fim da picada!

A deturpação brota da cultura. A urbanização se processou de forma acelerada, venerando a indústria nascente, restando ao campo a imagem do atraso. A política confundiu as idéias. O acirramento da luta do MST, desde 1985, envolveu a esquerda e encantou o senso comum. Em meados de 90, a famosa novela ¿O rei do gado¿, transmitida pela Rede Globo, arrasou a imagem da agropecuária. A boiada ficou mal-afamada.

Somente quando se aniquilou o processo inflacionário, roubando da terra a reserva de valor, se descortinou o novo mundo rural. Combinação feliz de mercado e preços fez explodir as exportações do agronegócio. O emprego se aqueceu no interior. Notícias boas elevam o astral.

Infelizmente, os agricultores pouco se prepararam, eles próprios, para os novos tempos. Antigas lideranças mantêm discursos atrasados, linguagem passada, símbolos antiquados. A comunicação acaba um desastre.

O movimento favorável da mídia exige uma tarefa inadiável das lideranças rurais: apostar na renovação, tanto das pessoas como dos métodos de atuação. Os jovens conhecem a linguagem de seu tempo. Carecem ser estimulados a tomar as rédeas do processo de valorização do campo.

Nos sindicatos, nas cooperativas, nas entidades, nas fazendas, está na hora de substituir a velha guarda pela moçada. Aí sim, com gente pró-ativa, empreendedora, comunicativa, com nova linguagem, somente assim muda definitivamente a imagem do campo. Para melhor.