Título: Descanso é coletivo
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Fonte: O Globo, 15/01/2005, O País, p. 3
Indiferentes ao artigo da reforma do Judiciário que acabou com as férias coletivas na segunda instância, quase todos os Tribunais de Justiça decretaram recesso forense em janeiro. Nas 27 unidades da federação, apenas os tribunais de Mato Grosso, Pernambuco e Ceará se adaptaram imediatamente à nova regra e estão trabalhando normalmente. Na Justiça Federal, a situação é parecida. Como mostrou reportagem do GLOBO ontem, dos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs) existentes, apenas os sediados em São Paulo e Recife não cruzaram os braços este mês.
A justificativa que os presidentes dos Tribunais de Justiça deram para ignorar a reforma foi falta de tempo para se adequar à nova realidade. Embora a reforma tenha sido promulgada no dia 8 de dezembro, só foi publicada no Diário Oficial da União no dia 31, quando passou a vigorar.
Magistrados esperam por Lei Complementar
No dia 4 de dezembro, antes mesmo de a reforma ter sido aprovada no Senado, o Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça se reuniu em Sergipe para debater o assunto. Ao fim do encontro, foi divulgado o documento ¿Carta de Aracaju¿, com a seguinte decisão: o artigo 93 da Constituição Federal, modificado pela reforma justamente para eliminar as férias coletivas, só teria validade após a edição de uma Lei Complementar que regulamentasse as formas de viabilização da nova regra.
¿ Em dezembro o colegiado decidiu esperar a regulamentação do artigo por lei complementar ¿ disse José Fernandes, presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça.
A carta foi assinada por todos os 27 presidentes de Tribunais de Justiça, inclusive pelos titulares dos três estados que depois revogaram as férias coletivas. O Tribunal de Justiça do Ceará, por exemplo, publicou na internet no dia 30 um comunicado aos magistrados, servidores e ao público cancelando as férias coletivas para atender à determinação da reforma.
Desembargadores de MT devolveram passagens
A interpretação de que seria necessária lei complementar para eliminar o recesso forense é questionável. Ontem, o senador José Jorge (PFL-PE), que foi relator da reforma do Judiciário na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, afirmou que, como o artigo não estipula prazo para a norma entrar em vigor, fica entendido que as férias coletivas deveriam ter sido abolidas já neste mês. Apesar de estar certo de que os juízes deveriam estar trabalhando, José Jorge afirma que não daria tempo de realizar a adaptação de um dia para o outro.
¿ Esse prazo não é formal, o artigo vigora a partir da publicação da reforma, não depende de lei complementar. Mas não faz muita diferença, né? Um semestre a mais, um semestre a menos... Em julho eles trabalham. Para se desfazer todas as férias coletivas precisava de antecedência ¿ declarou o senador.
No Tribunal de Justiça de Mato Grosso, a sessão administrativa que decidiu extinguir as férias forenses foi tensa. Muitos desembargadores quiseram manter o benefício alegando já terem comprado passagens de avião e pacotes turísticos. Venceu a maioria, que considerou prudente a devolução das passagens para o cumprimento da reforma do Judiciário. A mesma sessão decidiu a escala de férias dos desembargadores para 2005. Como praticamente todos reivindicaram janeiro e julho, foi discutido um esquema de revezamento entre os magistrados.
Apesar do entendimento dos tribunais de justiça, o secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Sérgio Renault, considera que o dispositivo que proíbe as férias coletivas deveria ser aplicado logo após a publicação. Entretanto, ele pondera que o tempo dado aos tribunais para se adequarem foi curto. Renault espera que, em julho, não exista mais motivos para se procederem o recesso.
A expectativa pode não se realizar, pois a maioria dos Tribunais de Justiça deve esperar a edição de lei complementar para se adaptar à reforma. Essa lei é o Estatuto da Magistratura, que ainda está sendo elaborada pelo Judiciário. O projeto de lei precisará tramitar e ser aprovado pelo Congresso antes de entrar em vigor.