Título: `TEMOS AGORA DE HONRAR A DEMOCRACIA¿
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Fonte: O Globo, 15/01/2005, O País, p. 8

Vinte anos depois da eleição de Tancredo, Aécio elogia chegada de Lula ao poder e diz que é preciso reduzir desigualdades

A democracia está plenamente consolidada no Brasil, 20 anos depois da eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, e é preciso agora reduzir as desigualdades sociais, afirma o tucano Aécio Neves, hoje governador de Minas Gerais, cargo que o avô ocupava quando começou o movimento pelas diretas-já. Derrotada a emenda Dante de Oliveira, Tancredo foi eleito pelo Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985, derrotando Paulo Maluf, mas não assumiu a Presidência da República. Morreu em 21 de abril daquele ano. O hoje presidente do Senado, José Sarney, assumiu. Na época, Aécio, que tinha 22 anos, era seu secretário particular. Ele cita a chegada do presidente Lula ao poder como exemplo da firmeza da democracia no país e defende a reforma política.

Vinte anos depois...

AÉCIO NEVES: Tive um privilégio, por ser neto de Tancredo Neves, de conviver com ele, morar com ele naquele período e acompanhar a mais importante manifestação popular que este país viveu, que começou com a luta pelas eleições diretas e terminou com a eleição dele. O país se mobilizou de forma absolutamente inusitada para dar respaldo popular a um presidente que seria eleito indiretamente. Nesses 20 anos, o que fica é a memória da liderança política, de alguém que conseguiu se impor acima de partidos políticos, correntes ideológicas e doutrinárias para construir a transição. Hoje temos uma democracia consolidada no Brasil e temos agora de honrá-la e transformá-la em instrumento para diminuir as diferenças sociais e melhorar a vida de milhões de brasileiros que vivem na marginalidade.

De lá para cá, qual a maior dívida que ficou?

AÉCIO: A diminuição das diferenças sociais, que são ainda aviltantes, vergonhosas. A democracia está aí, a liberdade de imprensa é plena, o acesso aos meios de comunicação é absoluto, os dirigentes são eleitos pelo voto popular, mas ainda temos construções a realizar, uma delas, que aperfeiçoaria o sistema democrático, é uma profunda reforma política. Todos os presidentes, de Sarney para cá, têm sido vítimas desta dispersão do quadro partidário. O presidente Lula também é refém da rejeição de alguns dos partidos que lhe dão sustentação a medidas que busquem dar maior representatividade ao quadro partidário. Talvez a reforma política seja a pedra que ainda falta para termos uma democracia plena e perene no país.

Lula também fez parte do processo que elegeu Tancredo.

AÉCIO: Certamente. A ascensão do presidente Lula durante esse período, que culmina com sua chegada à Presidência da República, é a consagração definitiva do processo democrático. É alguém que vem da base, da classe operária, e assume o mais importante papel decisório do país. O presidente, que teve um papel importante na campanha das diretas, amadureceu ao longo do tempo e deixou de ser um líder classista para ser um grande líder nacional.

Muitos acham que o senhor será presidente, que assumirá o cargo que Tancredo não pôde assumir. É sua meta?

AÉCIO: Meu avô dizia, e costumo repetir, que a Presidência da República é muito mais destino do que exercício de uma vontade pessoal. Tive um grande privilégio, que estou exercendo, de governar meu estado. Na verdade, o grande projeto político de Tancredo era governar Minas Gerais. Ele perdeu uma eleição em 1960 para Magalhães Pinto, depois veio o golpe militar. Ele chegou ao governo apenas aos 72 anos de idade, em 1982. Obviamente foram construídas ali as condições para que ele chegasse à Presidência da República. Meu papel não é fazer um discurso vazio, mas o resgate político e administrativo de Minas, e tenho certeza que estamos fazendo. Daí por diante é com o destino, é com Deus.

Se Tancredo Neves tivesse assumido a Presidência, o que poderia ter sido diferente?

AÉCIO: Perdemos pelo menos uma década. Ele estava preparado para a Presidência como talvez nenhum outro brasileiro no último século esteve. Eu o acompanhava diariamente, percebia isso com muita clareza. Ele tomaria as medidas necessárias para enfrentar a inflação e recuperar a economia e o prestígio político do Brasil. Não podemos culpar o presidente Sarney, que assumiu em circunstâncias difíceis, com uma grande frustração nacional. Mas se Tancredo tivesse assumido, não tenho dúvida, anteciparíamos em mais de uma década a retomada do crescimento do Brasil.

Como foram as negociações para se chegar à eleição?

AÉCIO: Foi uma trajetória longa. Num primeiro momento Tancredo precisava de garantias razoáveis para deixar o governo de Minas que, como eu disse, era seu grande objetivo. O primeiro momento foi de articulação interna para que ele fosse consenso no PMDB, o que ocorreu. Depois houve um entendimento com o PFL, fundamental para o êxito no Colégio Eleitoral. Com esse apoio veio, ele se dispôs a renunciar ao governo de Minas. A partir daí, a grande preocupação era dar consistência popular à candidatura. Viajamos o país inteiro, com comícios que muitas vezes até ultrapassaram os das diretas-já. Isso foi fundamental para que, mesmo na ausência de Tancredo, o processo de reconstrução democrática ocorresse.

O senhor acha que ele teria problemas iguais aos que o presidente Lula tem hoje para eleger o presidente da Câmara?

AÉCIO: Ele tinha uma grande habilidade política, aliada a uma grande coragem pessoal. Acho que essa coragem, somada à grande capacidade de articulação política, inibiria algumas atitudes que o presidente Lula não tem conseguido inibir.