Título: `TEM MUITA COISA PARA PAGAR¿
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Fonte: O Globo, 19/01/2005, O País, p. 3

Oprefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), disse ontem que o endividamento deixado pela administração Marta Suplicy (PT) não tem precedente na história da cidade:

¿ Tem muita, mas muita coisa para pagar, como nunca aconteceu na história de São Paulo ¿ afirmou Serra.

Ontem, o Diário Oficial publicou edição especial com os 8.202 empenhos cancelados no apagar das luzes da gestão anterior. O levantamento mostra que o maior calote a fornecedores da prefeitura nos últimos quatro meses da administração de Marta foi dado pela Secretaria de Serviços e Obras. Dos cerca de R$594 milhões que deveriam ser pagos a prestadores de serviço, em todas as áreas, R$220,5 milhões não teriam sido honrados.

Em seguida, entre as pastas que manteriam dívidas com fornecedores entre setembro e dezembro de 2004, está a Secretaria de Transporte: R$134,2 milhões. A pasta da Habitação também teria deixado um rombo de R$24,9 milhões.

Serra deu prazo até 31 deste mês para que fornecedores provem a prestação de serviços que não foram pagos. Em princípio, cada empresa ou pessoa física terá de apresentar cópias da nota de empenho, do instrumento contratual e da nota fiscal ou fatura. Só aí Serra poderá ter a dimensão da dívida da prefeitura com prestadores de serviços na administração anterior.

PT acusa Serra de manipular informações

O Ministério Público investiga os cancelamentos, pois muitos dos empenhos cancelados dizem respeito a serviços prestados. Segundo o promotor Saad Mazloum, as empresas podem cobrar da prefeitura na Justiça os valores não pagos acrescidos de multas e indenizações.

Se for comprovado prejuízo aos cofres públicos, Marta pode ser enquadrada na Lei de Responsabilidade Fiscal, conforme o promotor.

Segundo os tucanos, a dívida deixada por Marta é de no mínimo R$1,9 bilhão e pode chegar a R$2,5 bilhões, e a dívida com fornecedores deixada pelo ex-prefeito Celso Pitta seria hoje de R$530 milhões.

O PT municipal rejeita as contas dos tucanos e acusa Serra de manipular informações. Segundo nota assinada pelo ex-secretário de Finanças Luís Carlos Fernandes Afonso, a administração petista deixou R$376 milhões em caixa para o pagamento de R$375 milhões. ¿Além disso, há outras receitas, que somam R$166 milhões provenientes do exercício de 2004¿, diz a nota.

Serra reagiu à nota dizendo que as alegações petistas são ¿trololó¿ e ¿conversa fiada¿. Ele usou um exemplo prático. O prefeito foi abordado ontem por ex-jogadores de futebol integrantes da cooperativa Craques de Sempre, contratados pela prefeitura para dar aulas de futebol em escolas da periferia. Eles estão sem receber desde setembro de 2004.

¿ Vocês podem constatar aqui. Os atletas não recebem desde setembro. O resto é trololó, conversa fiada. Vocês podem ver como é história essa coisa de ¿deixamos dinheiro, registra isso, registra aquilo¿. Despesa feita em um ano tem que ser registrada no mesmo ano. Não pode ir para o seguinte.

Túnel inaugurado por Marta é interditado

Serra enfatizou o exemplo da saúde. Segundo o prefeito, Marta deixou apenas um terço do dinheiro necessário para pagar serviços e compras realizadas na área da saúde no fim da gestão petista.

¿ Sem dúvida, isso dificulta a vida da prefeitura ¿ disse Serra.

Perguntado se espera ajuda do governo federal, a exemplo do que aconteceu na primeira semana de janeiro, quando o Ministério da Fazenda deixou de bloquear bens da prefeitura em função do não pagamento de uma parcela da dívida municipal, Serra foi enfático:

¿ Não.

O prefeito disse que a saída é otimizar os recursos e voltou a atacar Marta.

¿ Uma obra mal feita, como é o caso da Rebouças, custa duas vezes ¿ disse ele.

O túnel sob a Avenida Rebouças, feito a toque de caixa por Marta às vésperas da eleição, já inundou duas vezes devido a falhas de execução e ontem foi interditado para obras.

No PT, ninguém comentou as declarações de Serra. A assessoria se limitou a enviar cópia da nota de anteontem. Além de reafirmar que deixou dinheiro em caixa para pagar os contratos, o ex-secretário Afonso diz que o cancelamento de empenhos é um expediente ¿corriqueiro utilizado, por exemplo, pelo governo do PSDB no Estado e pelo governo Fernando Henrique Cardoso¿. Segundo ele, é uma fórmula técnica ¿necessária para contabilizar de maneira precisa as contas da administração, não existindo nada de imoral ou ilegal nela¿.