Título: DESLIGAMENTO
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Fonte: O Globo, 19/01/2005, O País, p. 4

A postura do presidente Lula de distanciamento da disputa pela presidência da Câmara, anunciada depois de ter tido nada menos que dois encontros infrutíferos com o deputado dissidente Virgílio Guimarães, é ¿oficial e litúrgica¿. O fato, porém, é que, nas últimas horas, Lula entrou mais forte na ação política nos bastidores, junto especialmente aos partidos aliados, e deixou nas mãos do PT uma ação mais decisiva sobre o caso interno.

Em função disso, o vice José Alencar ligou para o candidato oficial, deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, e disse que não há possibilidade de o PL ficar contra a sua indicação.

A cúpula do PT está inclinada a tomar uma decisão mais forte contra a candidatura dissidente, mas não seria a expulsão: a tendência é considerá-lo desligado da bancada. Dessa maneira, se não vencer a disputa pela presidência, Virgílio Guimarães viraria um pária dentro da Câmara: desligado da bancada, não participaria de reuniões do partido, de deliberações, não seria designado para qualquer comissão. Se o deputado Virgílio Guimarães está fazendo esse movimento para se cacifar para postos mais altos, talvez uma candidatura majoritária em Minas, talvez um ministério na reforma, pode perder tudo.

Ele dá indicações desencontradas: não foi a um almoço com deputados que o apoiariam, mas distribuiu pela Câmara cartazes coloridos em favor de uma Câmara Forte, convocando para uma reunião em Belo Horizonte, no fim de semana, quando sua candidatura já estaria lançada oficialmente, o que está previsto para hoje.

O fato de não ter imediatamente reagido na reunião de bancada à escolha de Luiz Eduardo Greenhalgh enfraquece sua posição. Mineiro por mineiro, José Alencar o é há mais tempo, tem brincado o vice-presidente, que chegou a se dizer incomodado em votar contra uma candidatura mineira. A percepção do governo é que admitir que esse tipo de jogo de pressão sobre o Executivo dê resultados fará com que, realizada a eleição, o governo não tenha garantia de mais nada na Câmara dos Deputados.

Agora, no ponto em que a situação se encontra, o governo não tem alternativa, ou ganha com Greenhalgh, ou perde. Por isso, nenhum ato será praticado, nenhuma audiência será concedida, que possa prejudicar a candidatura de Greenhalgh. Os gabinetes dos deputados do PT no Anexo 3 estão todos exibindo cartazes da candidatura de Greenhalgh. O problema é que com três ou quatro candidaturas, a definição fatalmente vai para o segundo turno.

O deputado Severino Cavalcanti, do PP, está distribuindo telegramas em que fala de sua carreira, diz que sempre defendeu o Parlamento e os parlamentares, sem medo de ousar nesse sentido, frase que deixa antever que seu autor não se furtará a assumir pleitos corporativos, por mais impopulares que sejam.

Entre os vários cenários possíveis, o menos ruim para o governo, em teoria, seria um segundo turno entre Greenhalgh contra Virgílio Guimarães. Na teoria, são dois candidatos do PT, e os aliados vão usar isso para votar em Virgílio. E, ao final das contas, existe mesmo um sentimento antipaulista disseminado na Câmara, e a bancada mineira é muito forte, é a segunda maior na Câmara. Mas, segundo o presidente do PT, José Genoino, ¿não existirão dois candidatos do PT¿, sinalizando que Virgílio, se insistir na candidatura, será afastado da bancada do partido.

Mas há quem ache que a maior possibilidade é ficarem no final da disputa o candidato oficial do PT e outro de oposição, apoiado pelo baixo clero. E mesmo nesse caso, a possibilidade de derrota do governo ainda existe, embora mais remota, pois mesmo que votação secreta dê uma enorme vontade de trair, como já dizia a antiga raposa udenista José Bonifácio, é mais difícil trair o governo sem uma boa desculpa.

Mas existe um cenário mais desagregador: um segundo turno entre Virgílio Guimarães e Severino Cavalcanti, caso em que Severino teria grandes chances de vencer a disputa: fisiologismo por fisiologismo, fica-se com o mais antigo. O problema político, como se vê, é mais amplo: desde a derrota do governo, que desestabiliza o clima político, até a possibilidade de um deputado como Severino Cavalcanti acabar na presidência.

De qualquer maneira, a simples disputa dentro do partido majoritário é desastroso para a governabilidade do Legislativo, sem falar nos reflexos para o Executivo. A dissidência de Virgílio Guimarães está transformando os dissidentes da esquerda partidária em aliados da direção nacional do partido. O deputado Chico Alencar, que está empenhado na candidatura de Greenhalgh, diz que ¿até para fazer uma dissidência, para se rebelar, tem que ter um mínimo de método e de critério. Nós, quando aqui e ali votamos contra uma deliberação da bancada, não foi por mágoa pessoal, por subjetividade. E avisávamos na reunião de bancada¿.

O presidente do PT, José Genoino, a quem o Palácio do Planalto encarregou da solução da questão, nunca pensou que fosse ter tanta evidência nesse cargo, ¿para o bem ou para o mal¿. Ele, que se espanta de estar vendo coisas antes inimagináveis no PT, acha que muitos companheiros ainda não entenderam que, no governo, o PT não pode se comportar como quando estava na oposição.

Ele diz que a democracia não é um sistema avulso: ¿Democracia tem o acaso, o inesperado, mas é um sistema organizado¿. Uma candidatura avulsa, apoiada em individualidades e não em partidos políticos, colocaria em risco a própria democracia, diz ele. ¿Sempre que o Parlamento foi presidido por representantes de grandes partidos, teve estabilidade¿, lembra Genoino, citando Ulysses Guimarães, do PMDB, Luiz Eduardo Magalhães, do PFL e Aécio Neves, do PSDB.