Título: Ajuste histórico
Autor:
Fonte: O Globo, 21/01/2005, O País, p. 6

Pode parecer paradoxal, mas vinte anos após a volta do poder dos militares para os civis, a imprensa ainda sofre censura prévia. Mais paradoxal ainda é que os censores saíram formalmente das redações ainda no final da década de 70. E que em 78 o Ato Institucional foi revogado pelo presidente Ernesto Geisel.

Agora, as investidas contra a liberdade de imprensa vêm do Poder Judiciário, de juízes de primeira instância. São vários os casos de veículos proibidos de publicar ou difundir informações por causa de liminares conseguidas no Fórum mais próximo.

A grande imprensa tem sido manietada por meio de decisões judiciais desse tipo, porém as vítimas mais vulneráveis são as redações de cidades menores, alvo mais exposto a grupos políticos e de pressão, geralmente de acesso fácil ao juiz local.

Outro paradoxo é o fato de tudo isso acontecer mesmo estando a liberdade de imprensa inscrita na Constituição. Afinal, promulgada em 1988, a Carta marcou o restabelecimento dos direitos civis.

Mas na prática a realidade é outra. Ainda existem resquícios legais do regime autoritário que ameaçam as liberdades estabelecidas na Constituição. O correspondente do ¿New York Times¿ Larry Rohter foi expulso do país com base numa lei do general João Baptista Figueiredo, último presidente da ditadura militar.

A aprovação da súmula vinculante na reforma do Judiciário, no entanto, pode dar ao Supremo a oportunidade de fazer um ajuste histórico: determinar a todas as instâncias da Justiça que o estabelecido na Constituição é para valer.