Título: Tensão pós-Copom
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 21/01/2005, Economia, p. 19

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou ontem o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, para dar explicações sobre a quinta alta consecutiva dos juros básicos da economia (a taxa Selic). O aumento, de 17,75% para 18,25% ao ano, foi decidido na última quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária (Copom). Em reunião que durou toda a manhã no Palácio do Planalto, Lula manifestou irritação e desconforto com a elevação ¿ querendo ser convencido de que ela era necessária ¿ e suas repercussões, como o fato de o Brasil ter se tornado o país com a maior taxa de juro real (acima da inflação) do mundo. Ele chamou para o encontro o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro, com o objetivo de discutir alternativas para a política monetária.

Nas palavras de um assessor, o presidente sofreu uma ¿tensão pós-Copom¿. Mas, ao fim do encontro, Lula convenceu-se da necessidade do aumento de juros para garantir a estabilidade dos preços e deu sinal verde a Palocci para fazer uma defesa pública veemente da decisão.

Crítico ferrenho da política monetária ¿ na quarta-feira, disse que a nova alta era lamentável por frear a atividade econômica ¿ Monteiro, como representante do setor produtivo, foi convidado a apresentar propostas e modelos de como os empresários poderiam ajudar na queda dos juros. Foi a primeira vez que Lula levou alguém de fora do governo para debater o controle da inflação com os dois principais integrantes da equipe econômica.

Ciclo de altas estaria perto do fim

Segundo um ministro, Meirelles teria assegurado na conversa que o ciclo de alta dos juros estaria perto do fim. Mas não foi feita previsão se haveria ou de quanto seria um aumento do juros na próxima reunião do Copom, em fevereiro. A explicação de Meirelles teria sido uma resposta à angústia demonstrada por Lula com a elevação ¿constante e persistente¿ da taxa de juros. Meirelles também teria justificado o fato de o Copom decidir por unanimidade a elevação dos juros como um simbolismo externo importante de unidade dos integrantes do BC.

Na agenda oficial de Lula só estava registrada, ontem, a audiência com Palocci. A convocação do presidente do Banco Central teria sido feita de última hora. Segundo um assessor de Lula, o próprio presidente teria achado conveniente a presença de Meirelles para entender as razões que levaram o BC a subir a Selic. Para mais de um interlocutor, Lula chegou a manifestar seu descontentamento com os juros reais do Brasil, que chegaram a 11,9%, bem acima da Turquia, que hoje tem taxa real de 9%, a segunda maior do mundo. Nos últimos meses, o presidente tem questionado de forma reservada a necessidade de uma taxa tão elevada.

¿ O presidente Lula está na situação semelhante à de alguém que vai visitar um parente na UTI e fica sabendo que o médico prescreveu o aumento da dosagem de antibiótico. Ou seja, Lula sabe que o remédio é ruim, mas necessário ¿ explicou ontem um ministro petista com livre trânsito no Palácio do Planalto.

Política econômica divide governo

A justificativa de Meirelles para o aumento dos juros, segundo uma fonte do Palácio, foi baseada na expectativa da variação dos preços este ano. Por isso, o Banco Central teria de demonstrar de forma veemente seu empenho em perseguir a meta de inflação de 5,1% para 2005.

No núcleo político do governo existe uma divisão clara sobre a condução da política econômica. Um grupo influente de ministros ¿ entre eles o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e os titulares do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, e da Integração Nacional, Ciro Gomes ¿ têm contestado a condução da política monetária.

Mas Lula externou mais uma vez ontem, depois das explicações que recebeu de Meirelles e Palocci, sua confiança total no modelo atual da política econômica. Um ministro lembra que Lula tem desafiado com freqüência cada vez maior os críticos da política econômica a apresentarem um modelo alternativo eficaz para a economia brasileira. Foi neste contexto que o convite a Monteiro, da CNI, foi feito.

Nessas conversas, o presidente costuma argumentar que, mesmo com todas as críticas feitas por esse grupo no início de 2004, a economia brasileira fechou o ano passado com todos os índices positivos, como é o caso do crescimento do PIB, que deve ficar acima de 5%. Ontem, assessores do Palácio que conversaram com Palocci observaram que o humor do ministro estava muito melhor do que na quarta-feira, quando o Copom anunciou o aumento dos juros.