Título: Um americano em Paris
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 21/01/2005, O Mundo, p. 26

Assistir à posse de George Bush num bistrô de Paris é como assistir ao Red Sox, de Boston, vencer a final do campeonato americano de beisebol num bar em Nova York (cidade de seu tradicional adversário, o New York Yankees) . Há alguma chance de alguém perto de você comemorar ¿ digo, alguém em algum lugar da Europa deve estar feliz com isso ¿ mas não fica evidente.

Por que os europeus estão tão tristes com a reeleição de Bush? Porque a Europa é o maior ¿estado azul¿ (a cor do Partido Democrata, enquanto o Republicano é vermelho) . Nesses dias, mesmo o pequeno grupo de antiantiamericanos na União Européia se sente desconfortável ao ser associado a Bush. Tirando talvez o partido no governo da Itália, não há aqui o que corresponda às posições antiaborto, antigay, anti-Kioto, abertamente religioso e pró-guerra do Iraque do Partido Republicano, de Bush.

Se pegarmos os três maiores partidos britânicos ¿ Trabalhista, Liberal e Conservador ¿ ¿suas posições sobre Deus, armas, gays, pena de morte e meio ambiente se encaixariam todas em algum ponto do Partido Democrata¿, disse James Rubin, porta-voz do Departamento de Estado no governo Bill Clinton.

Enquanto oficialmente cada governo felicita Bush, o clima reinante no continente ainda parece ser de choque e pavor diante de os americanos o terem reeleito.

Antes de Bush ser reeleito, a atitude que prevalecia na Europa era: ¿Não somos antiamericanos. Somos anti-Bush.¿ Mas agora que os americanos o reelegeram, os europeus têm problemas para manter a distinção. Pela lógica, eles agora deveriam ser antiamericanos, mas a maioria não parece querer chegar até aí. Eles sabem que os Estados Unidos são mais complexos. Então há uma vaga esperança de que, quando Bush visitar a Europa no próximo mês, chegue com um ramo de oliveira que permita a ambos os lados ao menos fingir que mantêm o casamento pelo bem dos filhos.

¿ Os europeus estavam convencidos de que Kerry venceria e de repente, quando a verdade veio, houve um sentimento de resignação: ¿Estávamos sonhando?¿ ¿ disse Dominique Moisi, um dos principais analistas políticos europeus. ¿ Na verdade, a América real está se afastando de nós. Não compartilhamos os mesmos valores.

O resultado prático das eleições será provavelmente reforçar o foco do continente em seus próprios esforços para construir os Estados Unidos da Europa.

¿ Esta eleição enfraqueceu o conceito de ¿Ocidente¿ ¿ disse Moisi.

Curiosamente, o único país deste lado do oceano que elegeria Bush não fica na Europa, mas no Oriente Médio: o Irã, onde há muitos jovens aparentemente loucos para Bush remover seus líderes despóticos, do mesmo jeito que fez no Iraque.

Um aluno de Oxford que acabou de voltar de uma pesquisa no Irã disse que os jovens lá ¿amam qualquer coisa que o governo odeie¿, como Bush. Teerã está cheia de pichações de ¿Abaixo os EUA¿, contou o estudante, mas quando ele tentou fotografá-las, os iranianos disseram que foram escritas pelo governo e que não era assim que a maioria do povo pensava.

O Irã, disse ele, é o mais extremo ¿estado vermelho¿.