Título: NOVO CENÁRIO
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Fonte: O Globo, 20/01/2005, Opinião, p. 7

É, no mínimo, esquisito (ou mesmo esquizo) o fato de alguns jornalistas anunciarem o fim da Ancinav nos dias seguintes a um posicionamento do presidente da República a favor da Ancinav. Um sintoma da mistura de desinformação e contra-informação que acompanha o debate sobre a criação de uma agência nacional de Cinema e Audiovisual desde agosto do ano passado.

O governo desenvolve um lento e complexo processo evolutivo para o estabelecimento de uma norma e de um aparato institucional condizentes com a atualidade, no que se refere à nova realidade nacional e planetária do audiovisual, atividade centralizadora dos poderes econômico e simbólico no século XXI. Trata-se de uma necessidade urgente para o país, para a sociedade brasileira.

A complexidade se deve aos formidáveis interesses envolvidos na questão: sociais, culturais, empresariais e estatais. Mesmo admitindo (já que acontece) que a contra-informação faz parte desse xadrez, é saudável e benfazejo para as presentes e futuras gerações que tratemos a questão na sua dimensão de tema estratégico, como foram em outros momentos históricos a implementação da indústria siderúrgica, a nacionalização do petróleo e as eleições diretas.

Essa dimensão exige de todos os brasileiros um comportamento nacional, uma consciência nacional, acima da disputa partidária, das eleições de 2006 e dos interesses pessoais. O processo participativo da criação da Ancinav está evoluindo lógica e democraticamente, bem à frente de interpretações como ¿recuo¿, ¿esvaziamento¿, ¿sepultamento¿ e quejandos.

A reunião do presidente Lula com seus ministros e com o líder do governo no Senado, no dia 13 de janeiro, para tratar do posicionamento do governo, foi mais um capítulo nesse processo. O governo debateu, e continua debatendo, o projeto da Ancinav com a sociedade civil, com o setor e consigo mesmo, em uma série de encontros nos patamares presidencial, ministerial, parlamentar e de grupos técnicos.

A reunião do dia 13 foi parte integrante e especialmente importante do processo, com a avaliação do mesmo por parte do presidente da República, que enunciou diretrizes precisas e seguras para o prosseguimento da construção da Ancinav. Além de comprovar a escala estratégica do assunto, a reunião resultou na reorientação dos esforços do governo nesse sentido, com determinação de novas tarefas ministeriais e ampliação do número de ministros envolvidos no trabalho.

O presidente Lula ratificou o compromisso com a criação da Ancinav, com a abrangência prevista e necessária para lidar com o conjunto da economia audiovisual, inclusive com as novas formas de circulação de conteúdos. Também decidiu desencadear como tarefa de governo a elaboração da Lei Geral do Audiovisual, ou Lei Geral de Comunicação de Massa, uma iniciativa anunciada pelo ministro Gilberto Gil, no início de sua gestão, como uma das contribuições normativas constantes de seu plano de ação (além da Ancinav, do direito autoral frente às novas tecnologias e do aperfeiçoamento das leis de incentivo e fomento).

O presidente determinou que os capítulos referentes à regulação do setor, constantes no texto da Ancinav, sejam transferidos para a Lei Geral, que também será submetida a amplas consultas à sociedade.

É uma nova etapa no processo. Um novo cenário que deve gerar a possibilidade de que a agência, com as atribuições de fiscalizar e fomentar, seja instalada o mais breve possível (uma fiscalização eficaz e o aumento de investimentos são demandas consensuais do setor) e esteja adequadamente preparada para executar a regulação que será determinada na Lei Geral.

Trata-se de um movimento progressivo, em aclive, que busca os melhores caminhos para alcançar o objetivo, que é a montagem de uma norma e de mecanismos institucionais contemporaneamente adequados ao mapa do poder audiovisual. Como já fizeram os países industrializados e como estão fazendo todos os países emergentes. O caminho se faz na caminhada e tem muito terreno pela frente. A trabalhar, pois.