Título: SOBRAS DA SOBERBA
Autor:
Fonte: O Globo, 22/01/2005, Panorama Político, p. 2

É cedo ainda para saber se há um clima de insurgência na Câmara alimentando a candidatura dissidente do petista Virgílio Guimarães ou se ela é apenas o encontro entre desacertos do PT e interesses difusos dos deputados. Mas insatisfação com os caciques existe mesmo, e um sinal recente dela foi a operação-tartaruga que a base governista fez logo depois da eleição municipal.

Ali foi bem explicitada a irritação com o descumprimento de promessas e acordos pelo governo, sobretudo no que diz respeito à liberação de emendas, instrumento legal e legítimo de participação dos parlamentares no Orçamento. Se é legal mas não é legítimo, que seja então abolido. Irracional é permitir as emendas e depois jogá-las no lixo.

Mas não é apenas disso que se queixam os deputados, sejam eles do baixo, médio ou novo clero, expressão cunhada por Virgílio para designar uma nova safra de deputados que, segundo ele, não aceitam o desdém com que são tratados pelos cardeais ¿ líderes e dirigentes partidários da elite parlamentar. A diferença com os dos chamado baixo clero, representados pelo candidato avulso do PPP, Severino Cavalcanti, seria a de que não se contentam em apertar o botão de votação como os líderes mandam em troca de bombons ¿ liberação de emendas, pequenos favores e facilidades. Haveria um desagrado geral com o desprezo pelas iniciativas de lei dos próprios parlamentares: entra ano e sai ano, a produção legislativa é composta quase que inteiramente por propostas do Executivo. E ainda com a concentração de relatorias nas mãos de um grupo restrito de deputados, supostamente mais preparados, a sugerir que os outros não tenham a menor competência. O mesmo ocorreria em relação às presidências de comissões técnicas e especiais.

Certo é que vem se acentuando na Câmara a separação entre a elite e a grande massa de parlamentares, condenada ao ostracismo, a viver no que o hoje senador Heráclito Fortes chamava, quando era deputado, de ¿valle de los caídos¿: o fundão do plenário onde esperam as votações conversando futilidades. Ou cochilando.

As candidaturas de Virgílio, assim como a de Severino Cavalcanti e mesmo a de Aleluia, que se diferencia por ser de oposição ao governo, buscam capitalizar estas insatisfações. Ela já era latente no final do governo passado e de certo modo contribuiu para a eleição de Aécio Neves, que não era o candidato do Palácio nem de Fernando Henrique, receoso da reação do PFL a uma derrota de Inocêncio Oliveira. Cresceu no governo do PT, quando a elite tornou-se ainda mais soberba, instituindo a política do rolo compressor: o Palácio decide, os líderes mandam e os deputados votam.

É cedo ainda para saber se há um clima de insurgência parlamentar alimentando as candidaturas avulsas. O candidato oficial, Luiz Eduardo Greenhalgh, está se movimentando e tem atrás de si um aparato poderoso, o do PT e o das cúpulas dos partidos aliados, e mais discretamente, o do governo. A derrota de um candidato oficial raramente acontece, a não ser em momentos que combinam a força da rebelião com a desarticulação dos partidos. Dos dois elementos, por ora, temos apenas sinais. Quadro mais claro, só com a casa cheia, a partir de fevereiro.