Título: REAGE, FAVELA
Autor:
Fonte: O Globo, 22/01/2005, Rio, p. 14

Uma arma poderosa está sendo apontada para os traficantes. A crescente onda de violência na cidade, especialmente em comunidades pobres onde guerras entre facções rivais têm levado pânico aos moradores, fez surgir um fenômeno. Moradores de favelas ou pessoas ligadas a eles têm denunciado esconderijos de armas, de bandidos, a localização de drogas e de carros supostamente roubados. Somente no ano passado, dentro de um programa inédito do Disque-Denúncia (2253-1177), o ¿Desarme o bandido¿, foram apreendidas 880 armas em diferentes pontos da cidade. Ao todo, o serviço recebeu 9.147 denúncias dentro do programa.

O Disque-Denúncia não tem como identificar a origem das ligações justamente para garantir o anonimato dos denunciantes e incentivar, cada vez mais, as denúncias. Mas especialistas em segurança pública ouvidos pelo GLOBO afirmaram que o sucesso do programa, iniciado em janeiro do ano passado de forma sigilosa, tem a ver com uma mobilização das comunidades por mais tranqüilidade e segurança. Eles também enfatizaram que muitas denúncias podem ter sido feitas por membros de quadrilhas rivais.

¿ Isso é um indício de que a população está cansada. Esta idéia do bandido Robin Hood não se aplica a todas as localidades. Os moradores podem estar quebrando a barreira do medo. Não podemos negar. Eles podem estar ligando de outro bairro para dizer o que está acontecendo na sua região. Mas facções rivais também podem estar denunciando ¿ analisou a antropóloga Luciane Patrício, mestranda da UFF cuja tese terá como tema o Disque-Denúncia.

Armas e drogas foram apreendidas

Entre as armas apreendidas, 390 foram na Favela da Rocinha, onde uma tentativa de invasão por uma quadrilha rival na Sexta-Feira Santa em 2004 causou 12 mortes. No Morro do Vidigal, foram 229 armas apreendidas; em Ramos, onde fica o Complexo do Alemão, 12; e no Santo Cristo, bairro do Morro da Providência, 15. Entre as armas estão 61 granadas; 27 fuzis; 48 carabinas, escopetas e espingardas; sete metralhadoras; 318 pistolas e revólveres. Foram recolhidos ainda 12.770 balas; 45 acessórios de armas; e 20 fardas das Forças Armadas. As denúncias também resultaram em 668 prisões e autuações.

As denúncias resultaram ainda na apreensão de nove quilos de cocaína; 9.630 papelotes e 14.231 sacolés da mesma droga; 87 gramas de crack; 87 comprimidos de ecstasy; 1.037 bolinhas de haxixe; 15,5 quilos de maconha, além de 178 tabletes e 18.229 trouxinhas da mesma droga. Somente na cidade foram recuperados 138 veículos abandonados, a maioria nas entradas de favelas.

¿ Esse conflito na Rocinha na Sexta-Feira Santa explicitou bem a situação. É aquela coisa do bandido do bem e o do mal, o esquentado, que maltrata a comunidade. É preciso entender que há um processo de cansaço dos moradores dessas comunidades com a violência. Antes, não apoiavam, mas ficavam omissos. O programa (¿Desarme o bandido¿) é muito positivo. Mas, se continuar a corrupção na polícia, não sei como vai ficar. Em todo caso, é necesssária uma análise mais profunda para verificar se isso veio para ficar ¿ opinou o sociólogo Michel Misse, coordenador do Núcleo de Estudos de Cidadania, Conflito, e Violência Urbana da UFRJ.

Os especialistas levantam a possibilidade de que a nova onda de denúncias também se deva à invasão das favelas por traficantes que não têm qualquer ligação com a comunidade. Eles acabam sendo agressivos com moradores e passam a ser rejeitados. A premiação feita pelo Disque-Denúncia ¿ que no ano passado recebeu o número recorde de 123.914 telefonemas ¿ também pode ser um dos motivos.

¿ Desde que haja um canal de denúncias, elas acontecem. Há denúncias que partem de dentro das próprias quadrilhas. Mas também há muitas comunidades que preferem dar um basta na violência. Sempre há coação, mesmo por parte de traficantes que cresceram na comunidade. Mas é claro que quem vem de fora provoca mais insegurança. As guerras entre facções provocam mais insegurança do que as operações policiais ¿ disse o sociólogo Ignácio Cano, membro do Laboratório de Análises da Violência da Uerj.

No ano passado, o programa ¿Desarme o bandido¿ pagou R$18 mil em recompensas. Mas, segundo Zeca Borges, coordenador do Disque-Denúncia, a maioria dos denunciantes não se interessa em receber o prêmio, que é pago em local combinado e por meio de códigos para salvaguardar o anonimato.

¿ A denúncia anônima é a contrapartida da bala perdida para os bandidos. Eles são atingidos sem saber de onde vieram as informações ¿ comentou Zeca Borges. ¿ Para este ano, vou pedir às instituições privadas que mantêm o serviço R$96 mil para premiações no programa ¿Desarme o bandido¿.

De acordo com Zeca, de cada cem denúncias recebidas, 30 delas resultam em operações policiais. Os traficantes já perceberam o fenômeno e, por isso, o número de telefones públicos danificados próximos a comunidades pobres é grande, causando prejuízos à Telemar. Segundo a empresa, há 124 mil orelhões instalados no estado e cerca de 7% deles são destruídos mensalmente. A Telemar informou ainda que instalou sistemas de alarme para conter depredações e estabeleceu rondas em regiões com maior incidência de vandalismos. O gasto mensal com reparo dos aparelhos equivale ao da instalação de 500 telefones públicos.

A empresa pede que qualquer irregularidade no funcionamento dos orelhões seja comunicada imediatamente pelo 103. Qualquer ato de vandalismo deve ser comunicado à polícia e também à operadora pelo número 0800 280-8888.