Título: OS CUSTOS DA VIOLÊNCIA (2)
Autor:
Fonte: O Globo, 23/01/2005, O País, p. 4

Segundo Ib Teixeira, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, a violência na Colômbia passou por três etapas:

1) Avanço da narcoeconomia marcado pelo crescimento dos assassinatos, a conivência do sistema político e a execução de um candidato à Presidência que prometia combater o tráfico.

2) Auge do poder político da droga, quando se comprovou que um presidente da República teve sua campanha financiada pelos cartéis de Cali e Medellín.

3) Início, na década de 90 do século passado, do processo de combate sem tréguas aos traficantes e combate à guerrilha, com a extradição para os Estados Unidos de seus chefes.

O Presidente Alvaro Uribe, eleito tendo como principal mote da campanha o combate ao narcotráfico ¿ seu pai foi assassinado por traficantes ¿ aumentou em 25% o contingente das forças armadas e das polícias e atuou firmemente na redução do cultivo da coca. Teve o apoio decisivo do governo dos Estados Unidos, que financiou com U$680 milhões de dólares no ano passado, segundo a agência Bloomberg, o combate aos narcotraficantes e guerrilheiros das Farcs.

Em decorrência da melhoria do clima de violência ¿ embora ainda tenham ocorrido mais de 2 mil seqüestros ano passado ¿ os investimentos domésticos cresceram 18% em relação ao ano anterior, e os investimentos diretos, segundo os números oficiais, aumentaram 65%.

Cerca de 300 mil colombianos vivem em Miami e as remessas desses imigrantes cresceram 50%, chegando a U$4,5 bilhões. Estima-se que parte desse dinheiro seja de colombianos que estão regressando ao país. A entrada de dólares está tão grande que o governo, no fim do ano, baixou uma lei obrigando que os investidores têm que deixar o dinheiro pelo menos um ano aplicado no país. As remessas para a Colômbia só perdem para o México e o Brasil.

Sem contar os que estão no Japão e em outras partes do mundo, somente os brasileiros residentes nos Estados Unidos ¿ estimados em 1 milhão ¿ remeteram cerca de US$5 bilhões em 2003, e há quem ache que esse número pode ter sido bem maior ano passado. Cerca de 90% das remessas entram no Brasil através de casas de câmbio, sem que haja um controle do Banco Central.

Mas não há sinais de que os brasileiros que saíram do país em busca de mais segurança, ou de melhores condições de vida, estejam regressando.

No auge da violência na Colômbia, o escritor Gabriel Garcia Marques escreveu: ¿Talvez o mais surpreendente nos colombianos é a sua assombrosa capacidade de acostumar-se a tudo. Alguns, talvez os mais sábios, nem sequer parecem conscientes de viver em um dos países mais perigosos do mundo¿. O pesquisador Ib Teixeira acha que qualquer semelhança com a situação brasileira ¿não é mera coincidência¿.

Segundo o economista Paulo Rabelo de Castro, que faz parte de um grupo que defende a autonomia carioca como maneira de solucionar a decadência econômica e social do Rio de Janeiro, ¿chegamos àquele ponto em que o cidadão desiste de contar com a segurança coletiva e passa a produzi-la individual ou condominialmente¿. Ele chama esse estágio de defensivo na produção de segurança, ¿cada qual gastando bastante para proteger a si mesmo e a seu grupo, a seus bens, como se fôssemos todos ilhas sociais¿.

Neste estágio, ¿o custo unitário de segurança é alto porque a confiança de todos é baixa¿. Quando a segurança sai desse estágio para o de produção estatal ou pública, temos, segundo Rabelo de Castro, o estágio repressivo: ¿A segurança ganha uma percepção geral, influindo em comportamentos desviantes e reprimindo-os no nascedouro. Caem os índices de criminalidade em relação ao estágio anterior e os gastos totais com segurança, embora maiores, representarão um custo unitário cadente em sua produção¿.

Se a comunidade é bem-sucedida em reprimir os delitos no nascedouro, estaremos, segundo o economista, no estágio ¿em que se alcança uma consolidação institucional da segurança¿, condição desfrutada, por exemplo, por pequenas comunidades do interior ou em cidades européias de larga tradição em segurança.

No Rio de Janeiro atual, ¿estamos no extremo oposto dessa curva de custo econômico¿, diz Paulo Rabelo, ¿porque ninguém mais confia, nem na repressão coletiva (caso das blitzes falsas) nem, muito menos, nas instituições¿. Paulo Rabelo ressalta que ¿o crime exerce, na sociedade que o abriga, um tipo de seleção adversa, ou seja, provoca a evasão, justamente de quem mais poderia ajudar a combatê-lo: as empresas empregadoras de mão-de-obra, as pessoas mais jovens e mais educadas, os mais empreendedores e capazes. Ficam exatamente os que têm menos vantagem para evadir-se; em última instância os próprios bandidos e seus comparsas¿.

Esse é um fenômeno que ocorre em todos níveis, lembra o economista: nas ruas, nos bairros e favelas, ao nível das cidades e até de estados ou países. Para ele, ¿o círculo vicioso está instalado e mói o PIB-RJ desde a década de 80, ano a ano, cada vez mais¿. Segundo ele, o PIB do Rio, como área metropolitana, nos últimos seis anos tem tido uma taxa média anual de crescimento ¿insuficiente para repor os rendimentos per capita da população¿.

Paulo Rabelo diz que, por isso, ¿não espanta que a evasão de capitais e de pessoas para longe da região metropolitana do Rio esteja se tornando um fenômeno tão agudo¿. Ele fez o que classificou de um cálculo chocante: cada um dos assassinatos anuais pesa no PIB-RJ cerca de R$1 milhão.