Título: ESPERANÇA NO SUDÃO
Autor: JAN PRONK
Fonte: O Globo, 23/01/2005, Opinião, p. 7

Aassinatura do Acordo de Paz Global pelo governo do Sudão e o Movimento para a Libertação do Povo Sudanês, no dia 9 de janeiro, foi um acontecimento muito importante para o país. Suscita uma esperança real do fim definitivo de um conflito prolongado e brutal no Sul do Sudão, um conflito que causou mais de dois milhões de mortos, fez deslocar quatro milhões de seres humanos e obrigou cerca de 600 mil pessoas a fugirem para os países vizinhos, nas duas últimas décadas. As partes merecem ser elogiadas por terem honrado o compromisso assumido no final da histórica reunião do Conselho de Segurança que teve lugar em Nairóbi, em 19 de novembro de 2004.

O acordo tem como premissa uma visão que preconiza a promoção da estabilidade, da reabilitação e do desenvolvimento em todas as regiões do Sudão, por meio da partilha do poder e de uma distribuição equitativa da riqueza do país. Para além de procurarem resolver o conflito no Sul, o Acordo e os Protocolos de Naivasha proporcionam um plano geral para enfrentar os conflitos em outras zonas do país, como o Darfur, onde a situação continua terrível. A paz no Sudão é indivisível; as partes no conflito no Darfur deveriam inspirar-se no Acordo sobre o Sul e tentar encontrar uma solução política ampla para o seu próprio conflito, o mais rapidamente possível.

O ano de 2004 terminou, começou um novo ano e ainda não se vê uma luz no fim do túnel para o povo de Darfur. As partes têm violado regularmente todos os compromissos que assumiram nas conversações de paz de Abuja e parecem ter dificuldade em aderir a uma nova dinâmica e avançar para uma solução política negociada do conflito no Darfur. E o sofrimento do povo não diminui.

Os avanços de Naivasha devem ser preservados e consolidados. Isso é indispensável, pois esses avanços são muito frágeis ainda para serem considerados fatos.. É preciso mais do que umas meras assinaturas para que a paz prevaleça. Há que superar ainda muitos desafios, para que a paz se torne irreversível. Podemos indicar as tarefas prioritárias a realizar nos próximos dias e meses.

Terá de haver conversações no Sul com os outros movimentos que não participaram nas negociações de Naivasha, para garantir que assinem o acordo de paz. É necessário resolver rapidamente o conflito no Darfur, pois, caso contrário, os progressos conseguidos em Naivasha se verão seriamente comprometidos. Há que tentar encontrar também uma solução para os conflitos no Sudão Oriental e no Norte do país.

Deve ser dada prioridade à realização de um conferência nacional, organizada pelo novo governo e na qual deverão participar todos os partidos sudaneses, em pé de igualdade. Os seis milhões de deslocados internos e refugiados ¿- um número impressionante ¿ terão de regressar às zonas donde são oriundos e serem reinstalados. Dezenas e dezenas de combatentes deverão ser desarmados, desmobilizados e integrados na sociedade. Terão de ser ajudados a adaptar-se de novo à vida civil e, para isso, precisarão de emprego.

A experiência demonstra que, se não lhes forem dados meios de ganhar a vida, os programas de desarmamento e reintegração fracassam e os ex-combatentes não hesitam em pegar de novo em armas.

Quando uma guerra termina, a população civil continua a sofrer, devido à presença de minas espalhadas por aquilo que antes eram campos de batalha. O Sudão não é uma excepção. O país está repleto de minas que ameaçarão muitas outras vidas, se não forem removidas antes das populações começarem a movimentar-se em massa pelo seu território.

As perspectivas de paz geram grandes expectativas de desenvolvimento. Essas expectativas não podem ser traídas. Os doadores terão que prestar uma ajuda sustentada ao desenvolvimento do Sudão. Mas, o que é ainda mais importante, a riqueza do país e os seus recursos deverão ser investidos em programas de desenvolvimento sustentável que contribuirão para enfrentar a principal causa de conflitos: a pobreza e o desenvolvimento.

Agora que foi assinado o Acordo de Paz Global, as Nações Unidas estão preparando-se para agir rapidamente e enviarão em breve uma missão de apoio à paz. A tarefa que temos perante nós é enorme. Temos que fazer todos os esforços possíveis para assegurar o êxito da missão, no que diz respeito a ajudar os sudaneses na sua busca de paz, num país devastado por guerras destruidoras desde a independência.

O Conselho de Segurança da ONU deverá rever sua maneira de abordar a situação no Sudão. É necessária uma estratégia global e integrada para fazer face à situação complexa e multifacetada, criar condições de estabilidade e ajudar o país a enveredar pela via da paz duradoura e do desenvolvimento sustentável. Os dirigentes sudaneses ¿ todos sem exceção ¿- terão de se mostrar à altura do desafio. É sobre eles que recai a responsabilidade primordial pela realização das esperanças do seu povo num futuro pacífico e próspero. Têm de provar que são capazes de lutar pela paz. Têm de compreender que lhes falta ainda percorrer um longo caminho para poderem afirmar que alcançaram a vitória.

Graças ao Acordo de Paz, o Sudão está prestes a assistir a uma virada em sua história. Todos os sudaneses têm a obrigação ¿ para com eles próprios, com todos aqueles que pereceram durante a guerra, com os milhões de pessoas que perderam os meios necessários para ter uma vida digna e com os milhões de deslocados e refugiados espalhados pelo país ¿ de acabar com o sofrimento e colocar o país no caminho da paz, da estabilidade e da prosperidade.