Título: ACERTO DE CONTAS
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Fonte: O Globo, 23/01/2005, Opinião, p. 6

O diagnóstico negativo da situação fiscal encontrada pelos prefeitos que tomaram posse em janeiro se confirma. E o assunto ganha importância por ser esta a primeira safra de administradores municipais a ser avaliada pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

O caso mais grave é o de São Paulo, por causa do tamanho do problema herdado pelo tucano José Serra da petista Marta Suplicy, e devido ao aspecto político da questão, por estarem envolvidos o PT e o PSDB. Mas o conjunto das dificuldades também não é desprezível. Um levantamento feito junto ao Tesouro Nacional contabilizava uma dívida municipal de R$6 bilhões referente a 2003. A conta teria sido transferida para 2004, ano das eleições.

E como não se paga dívida em período eleitoral, grande parte dessa superpromissória deve ter sido transferida para os recém-empossados. Estima-se que a dívida se distribua pela mesa de trabalho de metade dos mais de 5.500 prefeitos. Existem, portanto, gritantes evidências de que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi descumprida em massa. Basicamente, na proibição a que o administrador transfira dívidas ao sucessor, sem deixar em caixa recursos reservados para a liquidação do débito.

A questão ganhou proporções graves em São Paulo, onde o prefeito Serra decretou um duro contingenciamento dos gastos, para tomar controle da situação.

Os tucanos de São Paulo estimam em quase R$2 bilhões a dívida a descoberto deixada pela administração petista ¿ que contesta, como é natural. Com o agravante de que teria sido usado o artifício da suspensão de empenhos (ordens de pagamento) antes da passagem do cargo. Dessa forma, maquia-se a prestação de contas, por se fazer desaparecer o registro do reconhecimento da dívida.

Se de fato for uma manobra não prevista na LRF, os legisladores precisam eliminar a falha. Mas independentemente disso, a intenção da fraude, se confirmada, deve ser considerada no Tribunal de Contas e pelo Ministério Público. Não se pode ter condescendência. Pois está em jogo a criação de uma verdadeira cultura de responsabilidade no manejo do dinheiro público. Sem isso, qualquer projeto de nação moderna fica inviabilizado.