Título: `Os militares nos devem uma boa explicação¿
Autor:
Fonte: O Globo, 23/01/2005, O País, p. 8

A iniciativa de buscar informações oficiais sobre o desaparecimento do médico Nelson Corrêa de Oliveira partiu de sua neta, Roberta Corrêa de Oliveira Cavaco, de 30 anos, que não o conheceu. Ela recebeu do GLOBO uma cópia da certidão sobre o avô liberada pela Abin. Roberta diz que o esclarecimento da morte dele, com a abertura dos arquivos, vai ajudar a melhorar a saúde de sua mãe, Elza Frehtin Corrêa de Oliveira, que adoeceu e sofre, até hoje, traumas da perseguição, tortura e morte de seu pai. ¿Ela viu o pai deitado numa maca, com olho quase dependurado, com marcas visíveis de tortura.... Ela tem medo de outro golpe. Para ela, o tempo não passou¿, diz.

Por que você decidiu investigar o que ocorreu com seu avô?

ROBERTA CORRÊA: É a história da minha família. Quero saber o que aconteceu em cada segundo com meu avô, que ajudava as pessoas, atendia de graça os mais pobres, ensinava-os a ler, a escrever e a pensar sobre o país. Sacrificou muitas vezes a própria família, para ajudar aos mais necessitados. Meu desejo maior não é o dinheiro, a indenização. É saber o que aconteceu tintim por tintim. Espero que não tenham queimado tudo.

Como você levantou as informações sobre seu avô? Teve dificuldades?

ROBERTA: Fui atrás de pessoas que podiam dar um depoimento para o processo na Comissão de Mortos e Desaparecidos. E nada. Tento falar com pessoas que conviveram com meu avô, mas eles nem me atendem. Essas pessoas não têm noção de que a situação mudou. Elas me olhavam feio e me diziam que eu não sabia onde estava me metendo. Ainda me amedrontavam. Mais triste é que parece que todo mundo tem medo de falar. Quem viveu tem pavor. Todo mundo até hoje reprimido.

Você não se conforma com o que aconteceu com sua mãe. Como está ela hoje?

ROBERTA: Muito mal. Não sai de casa, sente-se perseguida até hoje. Minha mãe precisa saber pelo menos em que circunstâncias seu pai morreu. Tenho a esperança de que se a verdade vier à tona poderá ajudá-la no tratamento. Saber quem fez, quem torturou meu avô, onde e em que circunstâncias, por mais duro que seja, vai trazer ao menos um alívio para o coração dela.

Qual a reação de sua mãe à sua decisão de entrar com o processo?

ROBERTA: Só para dar uma idéia, quando decidi me filiar ao PDT, ela me disse para não fazer isso para eu não correr o risco de sofrer o mesmo que meu avô passou. Ela tem medo de outro golpe. Para ela, o tempo não passou. Tem medo de estar sendo vigiada. Na verdade, o trauma que ela sofre é por dois lados. Meu pai, Carlos Bonaparte Cavaco, também foi perseguido, preso diversas vezes e teve que sair do Brasil.

O que você achou das informações contidas na certidão sobre seu avô, agora revelada pela Abin?

ROBERTA: Importantíssimas. Não tenho dúvida de que vão ajudar no processo. O documento é uma prova de que os militares têm muitos dados em seu poder e que precisam aparecer também. Afinal, o que aconteceu com meu avô atingiu toda uma geração. Eles nos devem uma boa explicação.