Título: ABIN, FINALMENTE, LIBERA DOCUMENTOS DA DITADURA
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Fonte: O Globo, 23/01/2005, O País, p. 8

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) começou a repassar à Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos documentos cuja existência oficial havia negado: certidões sobre ex-militantes e ativistas políticos que lutaram e morreram durante a ditadura. A comissão requisitou no ano passado informações sobre 41 casos e obteve resposta positiva para oito no dia 20 de dezembro.

A mudança de atitude da Abin foi recebida pelos parentes de vítimas do regime militar com entusiasmo e considerada um fato histórico que poderá finalmente recuperar o passado dos ativistas.

A certidão é considerada um documento fundamental e decisivo na instrução do processo na Comissão de Mortos e Desaparecidos. Ela tem força de prova que pode orientar o voto do relator e a posição dos demais integrantes. Por esse documento é possível, por exemplo, comprovar se a pessoa foi de fato um militante político; se foi perseguida por órgãos da repressão; se foi exilada ou morreu em conflito.

A comissão, criada pela lei 9.140 em 1995, é a responsável por julgar se o Estado é responsável por essas mortes e desaparecimentos e decide pela reparação econômica às famílias. A indenização pode variar de R$100 mil a R$150 mil. A lei garante a seus integrantes o poder de solicitar a qualquer órgão público documentos sobre processos encaminhados por parentes. Mas a Abin se recusava a passar informações e a reconhecer a autoridade da comissão para requisitá-las.

Abin alegava não poder responder

Nos ofícios de resposta aos pedidos feitos pela comissão nos últimos anos, a Abin alegava que não poderia atendê-los. Num deles, de setembro de 2003, obtido pelo GLOBO, o coordenador-geral de Documentação da Abin, David Bernardes de Assis, informava que o pedido era inconstitucional por ¿violar a intimidade, a honra, e a imagem dessas pessoas¿.

Apesar da negativa, Bernardes conclui o documento afirmando que, ¿a título de colaboração¿, pesquisas efetuadas nos arquivos da Abin ¿não resultaram em qualquer informação que pudesse subsidiar os trabalhos da referida comissão¿. Ele disse que não havia informação sobre os casos solicitados pela comissão.

A liberação das certidões em dezembro de 2004, porém, revelou outra história. Alguns dos documentos que agora apareceram tratam de pessoas sobre as quais ele negou existirem quaisquer informações nos arquivos.

O presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, o advogado Augustino Veit, comemorou o surgimento dos documentos, mas não poupou críticas ao comportamento da Abin. Para ele, não há inconstitucionalidade agora nem nunca houve.

¿ Era uma fundamentação esdrúxula, inconcebível. É a demonstração de que não havia vontade política de abrir os arquivos. A lei assegura o acesso da comissão a documentos que a Abin vinha negando esse tempo todo ¿ disse Augustino Veit.

Certidão resume vida de ativistas

As quatro certidões a que o GLOBO teve acesso são sínteses de algumas informações da vida dos militantes, como filiação política, participação na guerrilha e prisões, por exemplo. O próximo passo é a comissão requisitar, além das certidões, os originais dos arquivos para obter informações mais aprofundadas do que o resumo informado, como, por exemplo, as circunstâncias em que as pessoas morreram ou desapareceram.

¿ Criou-se o consenso, um entendimento de despolitizar o tema e tratar os arquivos como uma questão humanitária. Essa abertura vai levar a um sdiálogo mais sereno e gerar a possibilidade de abrir os arquivos definitivamente e descortinar as resistências que possa haver nos quadros militares ¿ afirmou o presidente da comissão.

O GLOBO procurou o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, general Jorge Armando Félix, o diretor-geral da Abin, Mauro Marcelo Lima, e o coordenador de Documentação do órgão.

O GSI respondeu aos pedidos de entrevista com uma nota, enviada pela assessoria de imprensa. No texto, o gabinete afirma que a Abin fornece certidões de registro em duas situações: por solicitação do próprio interessado ou de herdeiros e parentes; e por solicitação da Comissão de Mortos e Desaparecidos, conforme a lei 9.140. Este último critério vinha sendo ignorado até então pela agência. A nota informa ainda que, até o fim de 2004, forneceu cerca de 9.500 certidões.

Praticamente a totalidade dessas certidões foi enviada para pessoas que foram perseguidas e estão vivas. Por meio do hábeas-data, previsto na Constituição, ex-militantes podem requerer essas informações ao governo. No caso da Comissão de Mortos e Desaparecidos, além de servir como prova, as certidões vão permitir às famílias acesso a detalhes sobre o que ocorreu com seus parentes.