Título: O PESO DA REPRESSÃO SOBRE UM LÍDER ESQUECIDO
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Fonte: O Globo, 23/01/2005, O Mundo, p. 42

Cada um que entrava no estúdio localizado no conjunto residencial da Rua Fuqiang seguia o mesmo ritual de homenagem ao ex-primeiro-ministro Zhao Zyang, falecido segunda-feira, aos 85 anos, depois de passar ali os últimos 15 anos em prisão domiciliar, por ter se oposto ao massacre dos estudantes que ocuparam em 1989 a Praça da Paz Celestial pedindo democracia. Primeiramente, a assinatura do livro de condolências no jardim da casa. Depois, ao entrar no estúdio, uma breve reverência em frente ao retrato do ex-líder do Partido Comunista da China (PCC).

Enquanto isso, à porta da casa e na Praça da Paz Celestial, grupos de militares circulavam atentos a qualquer manifestação em apoio ao ex-líder. Bobagem. Depois de mais de uma década de ostracismo e expurgado da história do PCC e da própria China nos livros oficiais, a nova geração chinesa sequer sabe quem é Zhao Zyiang. E os representantes das gerações mais antigas, ainda que o admirem, não tiveram coragem de expressar pesar diante da manifestação de força do governo. Mas o poder tem lá suas desconfianças.

Apesar do silêncio da imprensa estatal sobre a morte do homem que ajudou a comandar a China durante a década de 80 e foi, juntamente com Deng Xiaoping, um dos artífices da abertura econômica, a imprensa estrangeira não comentou outra coisa durante a semana.

Ao mesmo tempo em que o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Kong Quan, afirmava que ¿os distúrbios políticos e a questão de Zhao Zyiang são assuntos que pertencem ao passado¿ e que ¿a decisão tomada em 1989 foi a melhor para enfrentar as turbulências da época¿ ¿ numa clara demonstração de que a morte de Zhao não tinha qualquer impacto sobre o governo ¿ o PCC, sob comando do presidente Hu Jintao, decidia que não haveria enterro com honras de Estado.

Admiração de ex-oficiais do partido e de dissidentes

O motivo, segundo analistas políticos chineses ouvidos pelas principais agências de notícias internacionais, é a admiração que Zhao inspirava em ex-membros do partido e em dissidentes internacionais, mas que não era compartilhada pelo povo chinês. Portanto uma cerimônia pública seria desnecessária

O governo de Pequim pode ter mostrado desdém pelos efeitos da morte do ex-líder sobre a população. Mas a julgar pela maneira com que Bao Tong (durante muito tempo assessor de Zhao e um de seus melhores amigos) foi tratado pela polícia ao tentar sair de casa para ir ao funeral com sua mulher, Jiang Zongcao, a atitude é menos blasée do que parece.

Segundo uma reportagem do ¿New York Times¿, Bao foi abordado pela polícia quando saía de casa. Sua mulher chegou a cair no chão com a interceptação da polícia e foi parar num hospital com dores nas costas, afirmou Baopu Liu, filho de Bao.

Num país em que mesmo o ¿baixo clero¿ do PCC recebe homenagens póstumas dignas de grandes revolucionários, a morte de Zhao e tudo o que ele representou em termos de oposição ao massacre da Praça da Paz Celestial deixaram o PCC em posição indiscutivelmente incômoda.

Cerca de 50 pessoas compareceram ao discreto funeral de Zhao em sua casa, inclusive alguns líderes do partido, como o vice-presidente Zeng Qinghong. Flores e faixas com frases como ¿Nosso apoio a sua decisão nunca mudará¿ e ¿Você está finalmente livre¿ cobriram a porta do estúdio de Zhao durante toda a semana. Para quem espera uma inevitável abertura política na China como conseqüência da abertura econômica, a morte de Zhao tem muito a esclarecer.