Título: FALTAM REGRAS CLARAS E ESTÁVEIS
Autor: CIRO MORTELLA
Fonte: O Globo, 24/01/2005, Opinião, p. 7

Aproteção à propriedade intelectual não interessa apenas às nações ditas desenvolvidas, como alguns insistem em repetir. É vital para países como o Brasil, que investem em inovação ¿ apesar dos inúmeros obstáculos impostos à iniciativa privada ¿ e precisam de um sistema legal que garanta o retorno dos recursos aplicados na criação de novos produtos e no financiamento da estrutura de Pesquisa & Desenvolvimento.

Para destacar a importância das leis sobre propriedade intelectual, cite-se apenas um exemplo da área farmacêutica: o consórcio Coinfar, que reúne três laboratórios nacionais envolvidos com P&D de novos produtos, tem atualmente sete patentes depositadas no Brasil e três patentes depositadas nos EUA, no Canadá, na União Européia e no Japão.

Imagine-se o prejuízo que estas empresas ¿ nacionais ¿ teriam caso o sistema de proteção à propriedade intelectual fosse subvertido. O respeito à legislação sobre patentes é, portanto, uma atitude estratégica para o Brasil. E a legislação brasileira é avançada e compatível com as necessidades do país.

No caso dos produtos farmacêuticos, falar somente em quebra de patentes é desconsiderar a complexidade da questão.

Nesse campo, o verdadeiro problema não diz respeito às patentes. Diz respeito ao acesso da população aos medicamentos. Ou seja, é uma questão ligada às políticas públicas na área da saúde. O que, no caso do Brasil, refere-se à insuficiência de políticas públicas amplas e consistentes de assistência farmacêutica.

Recentemente, os jornais estamparam uma notícia que ilustra bem esse aspecto. Segundo a reportagem, o Conselho Nacional de Saúde estava questionando o Ministério da Saúde sobre a redução de gastos em áreas importantes para a assistência básica na saúde, como o programa Farmácia Básica, que financia a compra de medicamentos das Unidades Básicas de Saúde.

É preciso dissipar a cortina de fumaça chamada quebra de patentes e debater os pontos que realmente importam para o país no campo do acesso aos medicamentos.

Estudos indicam que o Brasil precisaria alocar cerca de US$100 per capita, isto é, US$17 bilhões (R$51 bilhões) por ano apenas para dar à população pleno acesso aos medicamentos. Hoje destina US$100 por habitante para toda a área da saúde.

O sistema estatal de saúde está longe de reunir as condições mínimas necessárias para avançar na direção de um atendimento universal de acesso aos medicamentos.

Ao mesmo tempo, é preciso criar condições para a consolidação de um pólo farmacêutico no país, baseado no desenvolvimento e produção de medicamentos inovadores (que tirem proveito da biodiversidade brasileira) e no aperfeiçoamento incremental de produtos já existentes.

Esta meta requer um ambiente favorável à atração de investimentos nacionais e internacionais de médio e longo prazo. Isto é, pressupõe a existência de regras claras e estáveis.

Entre as medidas urgentes para o estabelecimento de um clima propício ao fortalecimento da cadeia farmacêutica está a implementação da Lei de Inovação. O país carece de diretrizes que balizem o relacionamento entre a iniciativa privada e as instituições públicas, como os centros de pesquisa das universidades. Carece também de incentivos fiscais e creditícios que estimulem as empresas a aplicar capital de risco na descoberta e aperfeiçoamento de princípios ativos.

A reestruturação do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) é outra ação fundamental para o fortalecimento do segmento. A morosidade do órgão desestimula os investimentos em pesquisa e desenvolvimento de novos medicamentos, com prejuízos para empresas nacionais e multinacionais.

Como os países que possuem sólidas bases em P&D nos ensinam, regular as parcerias entre empresas, instituições públicas e centros de pesquisa e definir fontes de financiamento são passos indispensáveis no caminho do desenvolvimento.