Título: Sobraram vagas
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 26/01/2005, O País, p. 3

O Ministério da Educação (MEC) vai tornar menos rigorosos os critérios de seleção de estudantes para o programa Universidade para Todos (ProUni). Após quatro etapas de seleção sucessivas e encerradas as inscrições, sobraram 4.939 vagas nas universidades participantes do programa, das quais 302 oferecidas pelo sistema de cotas raciais. O ministro da Educação, Tarso Genro, anunciou que, para preencher todas as vagas, o MEC abrirá mão não apenas da exigência de nota mínima de 45 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), mas também da participação no teste.

A idéia, segundo o ministro, é levar em conta o desempenho dos estudantes ao longo do ensino médio. A seleção será feita com base nas notas de cada estudante e a escolha dos alunos ficará a critério de cada instituição de ensino. A lei que criou o ProUni já prevê que cada universidade adote critérios próprios para seleção dos estudantes que receberão as bolsas do programa.

¿ O critério seletivo de mérito não será abandonado ¿ disse Tarso, sem especificar, no entanto, qual será a nota mínima exigida no histórico escolar dos candidatos.

Professores ficarão com algumas vagas

As vagas remanescentes nos cursos de licenciatura deverão ser preenchidas por professores da rede pública, mediante acordo entre o MEC, as instituições de ensino e as prefeituras. O objetivo é fazer com que todos os professores tenham curso superior, melhorando a qualidade da educação básica. De início, a seleção de docentes não levará em conta critérios de mérito.

A flexibilização tem amparo na lei que criou o programa. O artigo 3 diz que a pré-seleção de candidatos será feita com base no Enem ou por outros critérios estabelecidos pelo MEC. Depois disso, os estudantes ainda precisam passar pelo crivo da instituição de ensino e comprovar as informações prestadas, entre elas a da renda familiar per capita mensal inferior a R$ 390 (bolsa integral) e R$ 780 (bolsa parcial). Poderá haver nova sobra de vagas nessa fase.

Lançado em setembro, o ProUni oferece 112.416 bolsas em universidades particulares, das quais 72.016 integrais e o restante de 50% do valor da mensalidade. Em quatro etapas de inscrições, a última encerrada na semana passada, foram pré-selecionados 107.136 estudantes, o equivalente a 95,6% do total.

Hoje Tarso estará com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em São Paulo, em solenidade para pré-selecionados no ProUni, às 16h, no Centro de Exposições Imigrantes.

Metade das bolsas para licenciatura

Metade das bolsas que sobraram é em cursos de licenciatura e formação de professores. A outra metade é na área de administração e de cursos tecnológicos e seqüenciais ¿ modalidades de ensino superior mais curtas do que a graduação. Embora tenham sobrado 4,9 mil vagas, o ProUni não foi capaz de atender a 109 mil estudantes. Eles alcançaram a nota mínima de 45 pontos no Enem, mas se inscreveram em cursos em que a nota de corte era mais alta ou não havia vagas para todos. Foi o caso de administração, direito, pedagogia, comunicação social e enfermagem.

No total, 20 cidades concentraram 2,8 mil vagas ociosas. As demais ficaram dispersas por cerca de 600 municípios, segundo o secretário-executivo do MEC, Fernando Haddad.

¿ O restante ficou pulverizado demais. Não dá para fazer política pública com tão poucas bolsas ¿ disse Haddad, justificando a flexibilização dos critérios de seleção de candidatos e a decisão de não abrir novo prazo de inscrições.

Das 112 mil vagas no ProUni, 46 mil são reservadas a negros, pardos e índios. Tarso afirmou ontem que apenas 302 não foram preenchidas.

Ao fim da terceira etapa de inscrições, o governo informou que ainda sobravam 16 mil vagas, sendo 12 mil no sistema de cotas. Na verdade, não eram 16 mil, mas 22 mil, sendo 17 mil de cotas. O MEC chegou aos 16 mil numa simulação em que considerava pré-selecionado mesmo os candidatos com nota abaixo de 45 pontos no Enem, o que sugere que o governo pensava em reduzir ou acabar com a nota de corte.

Ao recalcular as inscrições com a nota de corte de 45 pontos, cerca de seis mil pré-selecionados foram eliminados, subindo assim o número de vagas em aberto de 16 mil para 22 mil. Na última etapa de inscrições, foram pré-selecionados 17.591 estudantes.

¿ Os números divulgados hoje (ontem) estão corretos. Se houve erro, foi na divulgação dos números anteriores ¿ disse Haddad.

O ministro aproveitou para rebater críticas à proposta de reforma universitária apresentada pelo governo. Ele disse que muitas críticas revelam desinformação ou má-fé, entre elas a de que as instituições particulares terão que seguir as ordens de conselhos formados por representantes da sociedade, professores e funcionários. Segundo Tarso, os conselhos serão consultivos e seus integrantes, nomeados pelos donos das instituições de ensino.

O ministro elogiou o debate público que vem travando com o jornalista e articulista do GLOBO Ali Kamel, que também condena a proposta do MEC. Segundo Tarso, ainda que discorde no mérito, Kamel apresenta argumentos sérios e propõe uma discussão honesta. Em artigo publicado ontem, o jornalista disse que a proposta de Tarso parte de uma interpretação equivocada da Constituição. O texto final do MEC, com alterações em relação ao anterior, deverá ser apresentado após 15 de fevereiro.