Título: Síria se dispõe a ajudar Brasil
Autor: Bernardo de la Peña e Helena Celestino
Fonte: O Globo, 26/01/2005, O Mundo, p. 27

O governo brasileiro iniciou ontem uma cruzada em busca de apoio internacional, na tentativa de obter a libertação do engenheiro João José Vasconcellos, funcionário da construtora Odebrecht seqüestrado há uma semana no Iraque. Em conversa por telefone, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um apelo ao presidente da Síria, Bashar al-Assad, que prometeu fazer todo o possível para ajudar.

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, disse que, em busca de ajuda, o Brasil faz contatos com países que têm presença no Iraque ou que enfrentaram situações semelhantes de seqüestro.

Lula conheceu Assad numa recente viagem à Síria. Amorim contou sobre a conversa dos dois:

¿ O presidente sírio reagiu de maneira muito positiva, dizendo que faria tudo o que fosse possível, entendendo a situação humanitária. E lembrou que a população iraquiana verá um seqüestro desses como totalmente injustificável. Não que os outros sejam justificáveis, mas o Brasil teve uma posição muito clara contra a guerra do Iraque.

Em Amã, na Jordânia, o governo também fez contatos oficiais. Embaixadas brasileiras em outros países do Oriente Médio receberam instruções semelhantes do Itamaraty. O ministro Paulo Joppert, chefe do núcleo para assuntos iraquianos na embaixada em Amã, disse que o embaixador especial do Brasil para Oriente Médio, Afonso Celso Ouro Preto, deverá chegar à capital jordaniana quinta-feira. Ele embarcou ontem.

Assad disse a Lula que receberia Ouro Preto em Damasco e que o embaixador terá todo apoio do governo sírio. Amorim explicou que como Lula esteve na Síria recentemente foi feito um contato pessoal, mas acrescentou que o pedido de ajuda brasileiro não se restringe a países árabes:

¿ Estamos fazendo contato com uma série de países que tenha algum tipo de presença lá, de alguma forma, ou que viveram situação semelhante, não só para nos ajudar a obter informações e um desfecho favorável, como para nos aconselhar.

Governo atrapalha, afirma advogado

O ministro Joppert afirmou não haver mais dúvida de que o seqüestro do brasileiro é político. Sábado passado, o grupo extremista Esquadrões al-Mujahedin assumiu a autoria do crime com a divulgação de um vídeo com imagens de um documento que identificava o engenheiro. O governo deverá fazer contatos também com o Iraque, por meio de Ouro Preto.

¿ Temos relações diplomáticas com o Iraque. Nunca rompemos relações com o Iraque. Canais diplomáticos podem se abrir a qualquer momento desde que haja interesse ¿ disse Joppert.

Sobre a possível ida de Ouro Preto a Bagdá, ele afirmou:

¿ Se ele chegar aqui e a situação estiver num ponto em que é necessário ir a Bagdá, ele irá. Ele é um embaixador para toda a região e é a pessoa mais qualificada para fazer esse tipo de gestão.

E acrescentou:

¿ É preciso paciência até que se encontre algum tipo de informação nova. No caso dos jornalistas franceses, duas vezes se anunciou a libertação deles. A situação havia chegado num ponto em que chegaria a liberdade. No entanto, eles ficaram retidos quatro meses, e isso com a França sendo um país que teve uma posição de oposição ao regime iraquiano. Isso é imprevisível.

Joppert disse que nada justifica manter o brasileiro em cativeiro:

¿ A posição do Brasil sempre foi muito clara, e neste aspecto isso contribui para um desfecho favorável do caso. No Iraque, as pessoas têm claramente a dimensão de quem foi contra (a guerra) e quem foi a favor. Esses grupos são muito bem informados e sabem exatamente a posição de cada país. Este ponto seria a favor.

Para um advogado de empresas com escritório nos EUA, que pediu para não ser identificado, o esforço diplomático do governo para libertar o engenheiro complica a negociação, independentemente das motivações dos seqüestradores. Segundo ele, a entrada no cenário de um Estado soberano faz aumentar muito o valor do resgate a ser pedido ou as exigências a serem feitas para a libertação. Profissionais que trabalham em zona de risco, especialmente em países em guerra, são protegidos por um seguro forte. Por isso, disse ele, em caso de seqüestro, a praxe é o time da companhia de seguros conduzir as negociações.

¿ As apólices excluem qualquer tipo de negociadores que não sejam do time da seguradora ¿ afirmou.

O absoluto sigilo da Odebrecht é também exigência da empresa inglesa que dava segurança ao brasileiro no Iraque, segundo o advogado. Ele explicou que as apólices de seguro para cobrir o trabalho em zona de guerra têm uma cláusula que prevê que todas as negociações devem ser mantidas em segredo. Qualquer revelação sobre contatos, pedidos de resgate e provável esconderijo seria motivo de rompimento de contrato.

¿ Quem paga quer dominar a cena do crime ¿ disse o advogado.

No Rio, Luiz Henrique de Vasconcellos, irmão do engenheiro, disse que a família continua à espera de um contato dos seqüestradores. Segundo ele, a falta de informação aumenta a ansiedade da família.

A Associação dos Clérigos Muçulmanos do Iraque disse à BBC Brasil que se for procurada poderá analisar um pedido do governo brasileiro e fazer um apelo pela libertação de Vasconcellos. Em abril de 2004, três japoneses foram soltos depois de a associação divulgar um comunicado. Os reféns também estavam em poder dos Esquadrões al-Mujahedin.

O Itamaraty informou que Amorim foi procurado pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, que manifestou seu apreço pela atuação do ministério no caso e se dissociou de críticas que não refletem a posição da OAB. No dia seguinte ao seqüestro, a comissão de direitos humanos da entidade divulgou uma nota em que cobrava a presença do governo brasileiro nas negociações.