Título: Durma-se com tais vizinhos
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Fonte: O Globo, 26/01/2005, Panorama Político, p. 2
É difícil separar brigas quando os dois lados querem e um brigão mais forte ainda entra no meio. Marco Aurélio Garcia, assessor internacional do presidente Lula, voltou otimista de suas gestões pacificadoras junto a Hugo Chávez, depois que Lula fez o mesmo junto a Alvaro Uribe, presidente da Colômbia. Mas ontem os dois lados voltaram a trocar farpas e a elevar o tom das acusações.
Chávez aceitou a provocação dos Estados Unidos, que na semana passada tomaram as dores da Colômbia, fazendo exigências à Venezuela na carta aos ¿parceiros¿ sul-americanos sobre o contencioso. De quebra, deram a entender que preferem a mediação do Peru e da Comunidade Andina à do Brasil. E o que fez Chávez? Chamou seu povo às ruas, acusou os EUA de terem planejado o seqüestro de um guerrilheiro das Farc em seu país e ainda quis apostar um dólar com Bush sobre quem fica mais tempo no poder. Um nutriente e tanto para a mística de caudilho que o cerca.
Do lado de lá, a Colômbia acusou Chávez de praticar uma chantagem econômica contra o vizinho ao exigir desculpas pela violação de soberania, que Bogotá continua negando. O governo Uribe ainda pediu à ONU que retire seu negociador de paz, alegando ter perdido a confiança nele. Isso porque James LeMoyne, o mediador da ONU, sustenta que parte das Farc ainda luta por motivações ideológicas, não tendo havido total conversão ao banditismo e ao narcotráfico, como diz o governo Uribe.
Chávez está chegando, fará muito barulho no Fórum Social Mundial e depois irá a Buenos Aires, visitar Kirchner. Ali, além de apoiar a renegociação da dívida argentina, buscará adesão a seu projeto de criar a Telesur, uma televisão multinacional sul-americana. Em Porto Alegre, Lula vai encontrá-lo, mas já se procura evitar muita badalação conjunta durante o Fórum Social Mundial, de modo a preservar a atuação do Brasil como país ¿facilitador¿ do entendimento. Pois se esta briga de vizinhos descamba para rompimento, tanto pior para o projeto de integração em que Lula tanto aposta.