Título: SUCESSÃO DE OBSTÁCULOS PARA OBTER DADOS
Autor:
Fonte: O Globo, 26/01/2005, O País, p. 3

É consenso entre os ex-presidentes da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos que houve dificuldade para se obter de órgãos oficiais, ao longo dos últimos anos, informações sobre militantes que lutaram contra a ditadura militar. Esses documentos são fundamentais para instruir os processos e provar se, de fato, os casos envolvem pessoas que atuaram em grupos políticos, se foram presos, exilados e se têm ficha nos antigos serviços de informações dos governos militares.

Para o advogado Luiz Francisco Carvalho Filho, que presidiu a comissão durante dois anos e meio nos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, esses órgãos, como a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), sempre resistiram à idéia de atender os pedidos da comissão para o envio de documentos que pudessem orientar os votos dos relatores. Segundo ele, não era somente a Abin que se recusava a atender aos apelos da comissão.

¿ Sempre existiu uma resistência muito grande e não apenas da Abin em liberar documentos para a comissão. Mas também do Ministério da Defesa e da Polícia Federal. Houve diversos embates ao longo desses anos ¿ disse Luiz Francisco.

Presidente da comissão durante alguns meses, João Luiz Duboc Pinaud, ex-secretário de Direitos Humanos do Estado do Rio, também disse que enfrentou resistências dos órgãos oficiais.

¿ Há um mecanismo em todos esses órgãos, muito bem feito, no sentido de não facilitar nada. O Estado violenta uma família, destrói e mata e não quer esclarecer nada alegando que está preservando a intimidade ¿ disse o ex-presidente da comissão.

Pinaud refere-se ao argumento utilizado pela Abin para não liberar as certidões na época em que presidiu a comissão. No ofício enviado à comissão, a agência informou que seria inconstitucional repassar essas informações já que se trataria de ¿violar a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas".

Luiz Francisco Carvalho elogiou a atitude do novo diretor-geral da Abin, Mauro Marcelo Lima, que decidiu atender aos pedidos da comissão e enviar as certidões com as informações.

¿ Não há mais motivação política para essa resistência. Espero que essa mudança seja efetiva e alcance todos os órgãos da administração pública ¿ disse ele.

O advogado Belisário dos Santos Júnior, integrante da comissão, sugere que os órgãos oficiais enviem agora as próprias fichas e todos os demais documentos. Ele criticou o fato de a Abin se recusar a enviar documentos para a comissão.

¿ A comissão foi criada com a legitimidade de apurar o que aconteceu com mortos e desaparecidos. Ora, se não enviam os documentos a ela, vão enviar para quem?! Somente aos familiares é um argumento cruel e perverso ¿ afirmou Belisário dos Santos Júnior.

As certidões com dados que constam na Abin sobre pessoas que estão vivas e que foram perseguidas pelo regime militar podem ser obtidas por meio de hábeas-data. No caso de quem morreu ou desapareceu, é mais complicado. Muitas vezes os parentes não têm informações sobre esse direito.

¿ Foi justamente em função dessa dificuldade, e com o respaldo da lei, a comissão passou a pedir os documentos diretamente a Abin. Se a agência tivesse tido outra compreensão disso, muitos casos teriam sido solucionados há muito tempo ¿ disse o atual presidente da comissão, Augustino Veit.