Título: PROVA DECISIVA
Autor:
Fonte: O Globo, 26/01/2005, O País, p. 3

Relatora do processo que analisa o pedido de indenização da família do ativista Manoel Custódio Martins na Comissão de Mortos e Desaparecidos, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) decidiu dar parecer favorável ao caso e reconhecer a culpa do Estado na morte do militante, que se suicidou no exílio, no Chile, em 1978. A relatora chegou a essa decisão após tomar conhecimento, em reportagem do GLOBO de ontem, de que uma certidão enviada pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) à comissão confirma a militância política de Manoel.

A certidão, que agora está anexada ao processo, era, segundo a relatora, a prova que faltava para seu voto. Com isso, a diligência que estava prevista para levantar provas sobre o caso será cancelada pela deputada, que se disse convencida da responsabilidade do Estado no caso. Seu voto será apresentado na Comissão para que os outros integrantes também votem e decidam ou não conceder a indenização.

Ao tomar conhecimento pelo GLOBO do conteúdo da certidão, a deputada, que está de férias no interior do Rio Grande do Sul, antecipou sua decisão. Ela solicitou cópia do documento à comissão.

A informação que foi considerada decisiva por Maria do Rosário é a que confirma que Manoel era militante comunista e viveu no exílio. No documento, os dados sobre ele são os seguintes: ¿Líder comunista e ligado ao Partido Comunista (PCB)¿ e ¿Manoel Custódio Martins esteve exilado no Uruguai e no Chile, países que lhe concederam asilo político após a revolução de março de 64¿.

¿ A certidão reconhece sua militância política e prova que o Estado o investigou. O documento é forte por isso, demonstra que o Estado brasileiro fazia investigações e perseguia ¿ disse Maria do Rosário.

Para deputada, certidões serão fundamentais

Para a deputada, as certidões, agora enviadas pela Abin, serão fundamentais para a orientação dos integrantes da comissão.

¿ Esses documentos serão importantes para nós, da comissão, votarmos com maior correção e justiça.

A família de Manoel comemorou a decisão, apesar de o processo ainda ter que ser aprovado pela maioria dos integrantes da comissão. A viúva Célia Ferreira Martins afirmou que a posição da relatora é um ato de justiça que demorou, mas chegou:

¿ Desde que cheguei do exílio, em 1979, após perder meu marido de forma trágica, aguardo essa notícia. Alguém tem que pagar pelo que ocorreu com ele, com a reparação econômica e com o reconhecimento do Estado pela sua morte.

A partir de 2002, a lei que julga casos de mortos e desaparecidos foi ampliada e passou a incluir suicídios e mortes em passeatas. A comissão deverá julgar o processo de Manoel até março.

Manoel Custódio Martins foi do PTB e depois ligou-se ao Partido Comunista Brasileiro. Era um seguidor de Leonel Brizola e João Goulart. Batizou seus seis filhos com nomes de líderes comunistas. Fugiu para Montevidéu, no Uruguai, após ouvir, numa rádio, que estava sendo procurado ¿pelo ar, pela terra e pelo mar¿. Andava sempre impecável, de terno e gravata, mas, para não ser preso pela repressão, fugiu do país, segundo Célia Martins, com ¿roupa de trabalhador¿ e barbudo.

A certidão com dados sobre Manoel foi enviada pela Abin à comissão em dezembro de 2004, após a decisão do governo de abrir os arquivos. Anteriormente, a agência vinha negando à comissão repassar essas informações alegando inconstitucionalidade.

Secretário diz que Abin entrou em novo tempo

Um dos responsáveis pelas articulações com o Gabinete de Segurança Institucional para liberar os documentos, o secretário dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda, afirmou que o envio das certidões marca um novo tempo:

¿ Houve uma evolução de fato da compreensão da Abin. O próprio governo como um todo decidiu pela abertura de arquivos, contando com a cooperação de todos.

O secretário afirmou que, após entendimentos, o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Jorge Armando Félix, determinou à Abin que a comissão tivesse prioridade.

¿ Antes a orientação era para não fornecer, mas agora é o contrário, é para se liberar os documentos ¿ afirmou Nilmário Miranda.