Título: TERRENO MINADO
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Fonte: O Globo, 26/01/2005, Opinião, p. 6

Consta que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva teria ficado especialmente irritado com a última alta dos juros determinada pelo Copom. Mas há quem entenda ser tudo uma velha manobra para aquietar bolsões radicais do PT contrários às políticas monetária e fiscal. Seja como for, fortalecem-se os sinais de que a política macroeconômica, apesar de todo o êxito, ainda se sustenta em bases políticas frágeis.

Para risco do próprio governo. Pois o presidente estará minando o terreno à sua frente se aceitar as pressões para alterar a política de metas de inflação, o câmbio flutuante e cassar a autonomia operacional com que na prática trabalha o BC.

Pode-se discutir a dosagem de ortodoxia do BC. O que é indiscutível é o êxito alcançado pela equipe do ministro Antonio Palocci ao conduzir o país ao largo de grave crise. Ora, seria no mínimo um gesto de pouca inteligência desestabilizar uma política macroeconômica no momento em que os frutos dos rigores monetários e fiscais começam a ser colhidos.

Entende-se que as pressões por um relaxamento na política de combate à inflação partam da indústria paulista e de sindicatos de trabalhadores que se especializaram em fechar acordos salariais com a Fiesp. Nos tempos de mercado interno protegido, o resultado dos acordos era a remarcação de preços sem que as empresas perdessem mercado.

¿Flexibilizar¿ a meta de inflação significa, na prática, autorizar os formadores de preços a fazer remarcações mais elásticas ¿ e assim a inflação imediatamente mudaria de patamar. Como sempre, os mais pobres seriam os mais atingidos. Por ironia, seriam prejudicados por um governo que faz questão de imprimir uma marca social em tudo o que faz. Defender mais inflação em troca de uma ilusória aceleração do crescimento ¿ ilusória porque a inflação trataria de abortar o crescimento logo adiante ¿ é o mesmo que admitir mais concentração de renda e injustiça social.

É acertada a preocupação de Lula com os juros. Mas se deseja que as taxas comecem a cair logo, o presidente pode dar valiosa contribuição. Basta controlar os gastos públicos correntes, que se expandem a uma velocidade superior ao crescimento do PIB.