Título: O RISCO DA DEPENDÊNCIA
Autor: RUBENS BARBOSA
Fonte: O Globo, 26/01/2005, Opinião, p. 7

Desde a criação do então Gatt em 1945, as regras negociadas em Genebra para regular o comércio internacional limitaram-se a bens industriais, serviços e matérias relacionadas com o comércio, como investimento, compras governamentais e propriedade intelectual.

Com o intuito de chamar a atenção para os principais aspectos de interesse dos países em desenvolvimento nas negociações, o livro intitulado ¿Comércio agrícola global e os países em desenvolvimento¿ é ao mesmo tempo abrangente e bastante detalhado em cada um dos tópicos que aborda.

Para evitar generalizações, o trabalho do Banco Mundial analisa separadamente o mercado dos produtos (açúcar, café, laticínios, algodão, arroz, trigo, frutas e legumes) mais transacionados do mercado incluindo uma simulação das conseqüências da liberalização do mercado de cada um destes bens.

Os capítulos que tratam dos mercados individuais dos produtos agrícolas trazem no final uma proposição das prioridades para a agenda de Doha, servindo como um ¿manual¿, que pode ajudar a balizar os pleitos dos países em desenvolvimento ¿ até aqui, principais perdedores diante das distorções comerciais impostas pelo protecionismo dos países industrializados.

A liberalização dos mercados de produtos agrícolas significa a abolição de aproximadamente US$315 bilhões anuais em apoio oficial direto aos produtores dos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), dos EUA e do Japão.

Subsídios domésticos e tarifas altas são apontados pelo Banco Mundial como fatores que afetam significativamente o mercado mundial e os produtores e consumidores dos países em desenvolvimento.

O aparente aumento no esforço pela liberalização dos mercados agrícolas, contudo, não se traduziu em resultados animadores: os países em desenvolvimento, que de modo geral têm vantagens comparativas na produção de bens agrícolas, não conseguiram expandir sua fatia no mercado global desses produtos. Pelo contrário, foi reduzida de 37,8% em 1981 para 36,1% em 2001. Atualmente, 48% de todo o intercâmbio global de bens agrícolas se dão entre os países desenvolvidos e mais de um terço apenas dentro da União Européia e do Nafta.

Independentemente da forma que tomam os benefícios aos produtores de países industrializados, o estudo do Banco Mundial conclui que eles afetam os mercados produtores e consumidores do mundo todo, o que corrobora a proposição teórica dos malefícios do protecionismo ao bem-estar econômico global.

O estudo não deixa dúvidas de que a liberalização dos mercados agrícolas, de modo geral, cria mais ganhadores do que perdedores. A identidade dos que ganham ou perdem e a magnitude da variação geral de bem-estar econômico diferem em cada mercado.

Os produtores dos países em desenvolvimento, especialmente o Brasil, seriam os principais beneficiários da liberalização comercial em termos de emprego e renda. Podendo vender em um número maior de mercados, sem a concorrência desleal de produtores subsidiados pouco eficientes, veriam os preços internacionais aumentarem. Os consumidores de mercados altamente protegidos também se beneficiariam com a liberalização, desfrutando de menor preço doméstico, à medida que caem as tarifas de importação, e aumenta a variedade de produtos.

Os maiores perdedores seriam a União Européia (redução de 23% do emprego no setor), Japão (26%) e China (6,6%). Os países em desenvolvimento que desfrutam de acordos preferenciais com os grandes países consumidores, como é o caso de diversos africanos, também seriam perdedores, sacrificados em nome da eficiência alocativa no mercado internacional.

Caso não se modifique a tendência protecionista dominante, o Banco Mundial, em uma de suas conclusões, indica que uma estratégia de desenvolvimento baseada na exportação de produtos agrícolas favorecerá o aumento da pobreza.

Uma efetiva reforma das regras do comércio internacional depende da vontade política dos atores centrais da cena internacional, que são justamente os países desenvolvidos que concentram quase metade do comércio de produtos agrícolas e que distorcem os mercados internacionais com barreiras e subsídios.