Título: COM AS ASAS CORTADAS
Autor:
Fonte: O Globo, 26/01/2005, Economia, p. 17

O Departamento de Aviação Civil (DAC) vai cassar as rotas que a Vasp está deixando de atender e não permitirá mais que a empresa cancele os vôos sob a alegação de que não vendeu número suficiente de passagens ¿ argumento que desde o fim de semana é usado para justificar a suspensão das operações. Ontem, a Vasp continuou cancelando vôos.

Atualmente, a Vasp tem autorização para fazer oito vôos diários, considerando ida e volta (Brasília-Recife-Salvador-Aracaju; Fortaleza-Teresina-São Luís-Belém-Manaus; Rio-Salvador-Natal-Fortaleza; São Paulo-Salvador-Manaus-Fortaleza).

O diretor do DAC, brigadeiro Jorge Godinho, enviou ontem notificação de infração à Vasp sobre os vôos cancelados desde o fim de semana. O valor da multa varia entre R$10 mil e R$20 mil, de acordo com os trechos, mas a empresa poderá recorrer.

Não foi só o governo que decidiu tomar uma medida para evitar danos aos passageiros da Vasp. As agências de viagens, que respondem por 80% das vendas de bilhetes aéreos no país, não estão emitindo mais passagens da companhia. Para empresários do segmento, a empresa está em fase pré-falimentar e não tem solução.

¿ Não existe mais possibilidade de essa empresa continuar no mercado. Não podemos ser irresponsáveis e vender passagens sem saber se o avião vai decolar. Para nós a Vasp já não existe mais ¿ disse o diretor da Associação Brasileira das Agências de Viagem (Abav), Leonel Rossi Júnior.

Segundo Godinho, a empresa poderá perder parte das rotas ou mesmo todas as autorizações se ficar comprovado que não tem condições de decolar nos horários previstos. No mês passado, a empresa perdeu três rotas (São Paulo-Foz do Iguaçu; Rio-Foz do Iguaçu; e Rio-Brasília-São Luiz-Teresina). A empresa tem hoje menos de 1% de participação no mercado nacional de aviação.

Os técnicos do Subdepartamento de Serviço Aéreo do DAC irão hoje a São Paulo para vistoriar a companhia e verificar quais destinos a empresa terá condições de atender regularmente. Segundo Godinho, no mais tardar na quinta-feira será possível ter uma decisão sobre as rotas da Vasp. O que a companhia deixar de atender será repassado às suas concorrentes.

A crise da Vasp e o tratamento político que o governo dará ao problema serão discutidos hoje numa reunião entre o vice-presidente da República e ministro da Defesa, José Alencar, o Comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos Bueno, e o DAC.

Embora seja uma empresa de transporte aéreo regular, desde novembro a Vasp está voando só com no mínimo 50% de ocupação dos seus aviões. O DAC sabia disso, mas só decidiu intervir quando a companhia publicou no domingo nota à imprensa em que informou tal procedimento.

¿ No momento em que a companhia escreveu isso, ela está assumindo publicamente uma prática incorreta. Ela não pode cancelar vôos e terá que decolar ¿ disse Godinho.

Procurado no fim de semana, quando a Vasp simplesmente cancelou todos os vôos, o DAC disse apenas que as empresas aéreas podem cancelar vôos por problemas técnicos, operacionais ou questões relativas à segurança.

Ontem, o ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia, cobrou uma ação mais enérgica do DAC para evitar que a Vasp continue cancelando vôos e defendeu a cassação da concessão da empresa. Para o ministro, os problemas da Vasp podem atrapalhar o turismo no Brasil, justamente no momento em que o país comemora os números recordes de desembarques nacionais e internacionais registrados ao longo de 2004:

¿ No momento em que a empresa cancela uma série de vôos assim, simultaneamente, e não oferece nenhuma solução, é porque tem uma crise. E aí a autoridade, no caso o DAC, tem que agir com presteza.

A empresa também está em crise com seus funcionários. Ela não compareceu ontem a uma audiência no Tribunal Regional do Trabalho em Brasília e a juíza da 2ª Vara do Trabalho, Marta Santo Azevedo, decidiu marcar o julgamento à revelia para o dia 3 de fevereiro, pelo não-cumprimento do acordo trabalhista feito em outubro com 850 aeronautas.

Procurada pelo GLOBO para se pronunciar sobre os cancelamentos, a Vasp, por meio de um porta-voz, reafirmou estar seguindo à risca a determinação de não deixar suas aeronaves decolarem com ocupação inferior a 50% da capacidade do avião.

Segundo a Infraero, no Rio apenas um vôo da Vasp decolou do aeroporto internacional Antônio Carlos Jobim (Galeão) ontem de manhã, para Fortaleza. Dois pousos foram cancelados procedentes de São Luís e Recife e uma partida, para Foz do Iguaçu. À noite foram cancelados vôos para Recife, São Luís, Foz do Iguaçu e Fortaleza. No Santos Dumont, os vôos da ponte aérea Rio-São Paulo não decolam há cerca de um mês, mas só ontem a Vasp informou a suspensão de suas operações naquele aeroporto ao DAC. Também foram cancelados vôos em São Paulo, Salvador e Recife.

A advogada Iracema Oliveira estava em São Luís com um bilhete da Vasp para o dia 21, mas só ontem conseguiu chegar ao Rio ¿ depois de arcar com a hospedagem em Natal, aonde foi tentar uma conexão, e comprar um bilhete de outra companhia.