Título: Fabricantes reagem à proposta de venda fracionada de medicamentos
Autor: Rodrigo Rangel
Fonte: O Globo, 27/01/2005, O País, p. 4

Os fabricantes de remédios dão sinais de que vão reagir com força à decisão do governo federal de autorizar a venda fracionada de comprimidos no país. Ciro Mortella, presidente da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma), principal entidade do setor no Brasil, disse acreditar até que o decreto presidencial que permitiu a medida seja cancelado após a consulta pública que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tem de fazer antes de baixar a resolução com as normas para a venda fracionada dos remédios.

Mortella: venda fracionada pode aumentar falsificação

O governo nega a possibilidade de voltar atrás. Para Mortella, não há estrutura suficiente nem nos órgãos oficiais de fiscalização nem nas próprias farmácias para garantir a segurança e a qualidade do processo de fracionamento dos medicamentos.

¿ Essa nossa preocupação precisa ser estudada porque a venda fracionada pode abrir a porta para todo tipo de irregularidade, principalmente o aumento da falsificação. O importante é saber que o que você está levando para casa não é produto de carga roubada, um remédio feito em qualquer lugar ou até mesmo um remédio falsificado.

Mortella observa que a Febrafarma não foi consultada pelo governo antes de ser baixado o decreto. Ele defende que o debate a ser promovido pela Anvisa para definir as normas do fracionamento não se restrinja à consulta pública anunciada pelo órgão.

¿ Será preciso fazer conversas técnicas mais aprimoradas para estudar mais a fundo esse assunto, que é extremamente sério. Poderá se chegar à conclusão de que o Brasil não tem condições de vender remédio fracionado. E hoje, de fato, o Brasil tem imensas dificuldades de fazer isso de maneira segura.

O presidente da Febrafarma lembra que vão cair por terra medidas como a adoção de lacre nas caixas de remédio, adotadas pelo governo após onda de falsificações de remédios registrada no país. Mortella alfineta o governo lembrando que, atualmente, a fiscalização sanitária não é suficiente nem para garantir que todas as 60 mil farmácias do país trabalhem com farmacêutico em tempo integral, como manda a lei.

O ministro interino da Saúde, Antônio Alves de Souza, nega qualquer possibilidade de o governo desistir de autorizar a venda fracionada:

¿ Dizer que o Brasil não tem condições para isso é menosprezar a nossa capacidade. Se a preocupação da indústria é com a qualidade, ela pode contribuir na consulta pública, para que todas as medidas necessárias à segurança constem da resolução.

Anvisa: ¿O consumidor vai ser o grande fiscal¿

O presidente da Anvisa, Cláudio Maierovitch, também rebate as críticas do presidente da Febrafarma. Quanto à crítica de que não há fiscalização suficiente, ele diz que os farmacêuticos e os próprios clientes serão os principais responsáveis por averiguar a qualidade do produto a ser vendido:

¿ A gente quer que, cada vez mais, os profissionais de farmácia tenham um papel ativo e colaborem. E o consumidor vai ser o grande fiscal.

O fracionamento de remédios, até então proibido no Brasil, foi autorizado por decreto presidencial publicado no último dia 20. A Anvisa calcula que nos próximos 20 dias já esteja disponível, para consulta pública via internet, o texto-base da resolução que vai regulamentar a venda. Feitas as alterações no texto, a previsão é de que o fracionamento comece a ser feito, na prática, a partir de março.