Título: Desperdício
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Fonte: O Globo, 27/01/2005, Opinião, p. 6

O Bolsa Família, o guarda-chuva sob o qual estão diversos programas sociais, continua a se expandir em alta velocidade. Certamente acima daquela que o bom senso aconselharia num país de recursos escassos como o Brasil.

O primeiro e mais estridente sinal de alerta veio com a descoberta de várias fraudes, em cidades de regiões diferentes. Pessoas de classe média tinham conseguido se cadastrar para receber o dinheiro dos pobres, enquanto famílias de fato necessitadas ficavam sem acesso ao programa. Além disso, constatou-se a inexistência de qualquer sistema de cobrança efetiva das contrapartidas dos beneficiários: manutenção de filhos na escola, vacinação em dia etc.

O Bolsa Família corria ¿ e ainda corre ¿ o risco de ser pouca coisa além de um perigoso e perdulário instrumento de assistencialismo arcaico, a serviço de esquemas políticos clientelistas.

Mas, apesar da resistência inicial do governo, foi enfim criada uma rede de fiscalização ¿ não só com o Ministério do Desenvolvimento Social, como deve ser. Espera-se que funcione. As dúvidas em torno do Bolsa Família vão além. O anúncio feito terça-feira de que o objetivo deste ano é chegar a atender a 8,7 milhões de famílias leva a crer que o governo continua a perseguir metas ilusórias de dezenas de milhões de pessoas, sem fechar o foco nos verdadeiros bolsões de pobreza.

Trata-se de um exercício de rara eficiência de desperdício do dinheiro público, enquanto os investimentos na precária infra-estrutura são cortados e áreas estratégicas como a educação fundamental e a média continuam desassistidas.