Título: CESAR LAVA AS MÃOS
Autor: Luiz Ernesto Magalhães, Maria Elisa Alves e
Fonte: O Globo, 29/01/2005, Rio, p. 13
Prefeito diz que nada pode fazer se União não aumentar verba para hospitais municipalizados
O prefeito Cesar Maia decidiu ontem lavar as mãos em relação à crise nos hospitais municipalizados. Depois que três hospitais federais administrados pela prefeitura resolveram, nos últimos dez dias, suspender as internações e cirurgias eletivas, Cesar disse que, caso o Ministério da Saúde não aumente o repasse de recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) para esses 28 hospitais, PAMs e maternidades (que correspondem a 20% da rede da prefeitura), só lhe restará fazer uma coisa:
¿ Nada.
O prefeito chegou a comparar a falta de recursos das unidades a um botequim à beira da falência. E argumentou que, se a população não puder ser atendida na rede federal municipalizada, poderá recorrer aos hospitais da prefeitura. Nestes, porém, a situação também não é boa. Atrasos nos pagamentos de fornecedores têm levado unidades a funcionar de forma precária. No Souza Aguiar ¿ a maior emergência da América Latina ¿ não há aparelho de raios X funcionando há seis dias. Os médicos precisam recorrer a um aparelho portátil, incapaz de atender à demanda. Faltam roupa de cama para pacientes e antibióticos mais modernos. Os médicos são obrigados a prescrever o que há no estoque, mesmo que não seja o mais indicado para o paciente.
No Miguel Couto falta até analgésico
No Miguel Couto, segunda-feira não havia uma única dose de dipirona, o analgésico mais usado. Na unidade, chegam a ser consumidas duas mil ampolas por dia, mas o estoque estava a zero. Ontem, com dores fortes e inflamação na altura do fêmur, a aposentada Albina Alves Gonçalves, de 95 anos, teve que peregrinar por vários setores do Miguel Couto e foi embora sem ter seu problema resolvido.
Nos hospitais municipalizados, a crise é ainda mais grave. Os hospitais da Lagoa, de Ipanema e da Piedade deixaram de internar pacientes e estão dando alta àqueles que iam ser operados mas não correm risco de vida. Em relação a eles, o prefeito diz não ter culpa de nada:
¿ Como os hospitais são federais, a população deve cobrar do Ministério da Saúde. Imagine se amanhã alguém te entrega um botequim, um restaurante ou uma loja e diz: ¿Administre você. O prejuízo é teu! Não é nosso¿ ¿ disse Cesar, que ontem usava um colete ortopédico por causa de um problema de coluna.
Segundo o secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cézar Coelho, a prefeitura investiu no ano passado R$746 milhões em saúde e fechou o ano com déficit de R$200 milhões. Ele atribui a crise ao fechamento de unidades na Região Metropolitana:
¿ Somos os únicos que investem e não podemos atender cada vez mais pacientes de toda a Região Metropolitana. Tem uma hora em que o recurso diminui e a crise surge.
Segundo Ronaldo Cézar, a crise é grande nas unidades municipalizadas porque o Ministério da Saúde faz um repasse mensal de R$14,5 milhões para o custeio, quando seriam necessários R$26 milhões:
¿ Não recebemos recursos do ministério para obras, manutenção predial das unidades federais. A prefeitura no ano passado gastou R$18 milhões de recursos próprios. Precisaríamos de R$80 milhões para obras.
O Ministério da Saúde nega as informações. Em nota, disse que a prefeitura não conseguiu demonstrar tecnicamente ¿necessidade de aporte de mais recursos para investimento nos hospitais municipalizados, que justifique o aumento do repasse¿. Disse ainda que envia mensalmente R$18,5 milhões para o pagamento dos salários de dez mil servidores lotados nas unidades municipalizadas. A nota afirma que ¿o sistema de saúde pública do Rio de Janeiro é motivo de preocupação¿ para o ministério, ¿não só em relação às unidades municipalizadas, mas também em relação a hospitais que são estratégicos para o atendimento da população carioca, como Miguel Couto, Souza Aguiar, Salgado Filho e Paulinho Werneck, que vêm sendo motivo de ações judiciais e da vigilância sanitária por falta de condições para o atendimento¿.
Cremerj entregará relatório ao MP
Não é só o ministério que está preocupado. A presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremerj), Márcia Rosa, disse que a situação está caótica em todos os hospitais da prefeitura, não só nos municipalizados. Ela vai, segunda-feira, entregar um relatório ao Ministério Público relatando o resultado das visitas que o Cremerj tem feito às unidades.
¿ Queremos que o Ministério da Saúde visite as unidades.
O presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze, vai mais longe:
¿ Precisamos de uma intervenção do Ministério da Saúde.
Ontem, no Hospital da Lagoa, José Carlos Fortes dizia temer que o estado de sua mulher piore. Ela foi internada no hospital com suspeita de câncer e precisa ser operada. No entanto, as cirurgias estão suspensas. Além disso, a paciente teve que fazer uma tomografia no Hospital dos Servidores do Estado, pois o aparelho da unidade da Lagoa está quebrado:
¿ Só estão dando medicamentos a ela. Não sei o que vai acontecer.