Título: INIMIGOS COM ENCONTRO MARCADO
Autor: Soraya Aggege
Fonte: O Globo, 29/01/2005, Economia, p. 23

Lula propõe dia 9 de julho para reunião de dirigentes dos fóruns social e econômico

Depois de propor o diálogo entre os dois fóruns globais, o social e o econômico, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta promover um encontro entre membros das cúpulas dos dois eventos. O encontro será em Paris, dia 9 de julho. A proposta de Lula, porém, já divide os principais articuladores do Fórum Social, criado como um contraponto radical a Davos.

¿ Haverá um debate de alternativas para o mundo entre membros dos dois fóruns. Mas vamos como participantes, pois o Fórum Social não tem cúpula. Não somos uma organização, como o Fórum Econômico, mas sim uma articulação ¿ disse o sociólogo Cândido Grzybowski, um dos criadores do FSM que agora defende o diálogo.

A articulação de Lula acontece também nesta sua visita a Davos. O presidente escalou o ministro Jaques Wagner para fazer a co-produção do encontro, e a ONG francesa Bridge, que busca reunir opostos para o diálogo, participa do processo. Oded Grajew, diretor do Instituto Ethos, fundador do FSM e ex-assessor do presidente, confirma a iniciativa de Lula:

¿ Lula já me consultou, a idéia é antiga. Juntar gente é o papel dele, que conversa com os dois fóruns e quer engajar todo mundo. Ele sabe que o Fórum Social não tem cúpula. Há um mal-entendido aí, pois não falamos em nome do Fórum Social. Os membros podem ir como entidades.

¿É Jacques Chirac quem vai faturar¿

Grzybowski disse que irá a Paris, junto com outro fundador do FSM, o francês Bernard Cassen, do Attac (Ação pela Tributação das Transações Financeiras em Apoio aos Cidadãos), que tem defendido Lula no FSM. Grzybowski lamentou que Lula não tenha trazido a reunião no Brasil.

¿ Eu, se fizesse esse debate, faria aqui no Brasil para dizer: o Lula patrocinou um evento de encontro de pessoas que participam do Fórum Social e do Fórum Econômico. Mas ele vai fazer em Paris para o (presidente francês) Jacques Chirac faturar ¿ disse Grzyboswki.

Muitos fundadores do Fórum Social se assustaram com a notícia da articulação. Irritados, disseram que levarão a discussão à reunião do Conselho Internacional do FSM, em abril. Alguns avaliam que a interferência de Lula, somada à participação excessiva do governo e do PT no Fórum, poderá dividir o Conselho, formado por 129 entidades internacionais.

O motivo: desde a criação, em 2001, a posição do Fórum Social é de jamais abrir diálogo com o Fórum de Davos, considerado ¿inimigo número 1¿.

¿ Nossa posição é de manter total distância de Davos, de ser sempre um contraponto. Há dois anos Lula tenta nos convencer, mas nunca aceitamos conversar com Davos. Não estamos informados dessa reunião. Se ela ocorrer, vamos achar muito estranho se alguém usar o nome ou a imagem do Fórum Social Mundial ¿ disse Maria Luísa Mendonça, da Rede Social de Justiça e também fundadora do FSM.

Sérgio Haddad, também criador do FSM, não sabia da articulação:

¿ Os dois fóruns não conversarão jamais. Eles podem ir ao encontro, pois suas entidades têm autonomia, mas jamais falar em nome do Fórum Social ¿ disse ele, que cuida das relações internacionais da Associação Brasileira das ONGs (Abong).

A Bridge, por exemplo, sempre foi aceita no FSM, mas com a idéia de trazer figuras simbólicas de Davos, como George Soros. Os convites não foram aceitos porque as figuras do mundo econômico seriam pichadas em Porto Alegre ou em Mumbai.

Para Grajew, que ainda não aderiu à reunião em Paris, o encontro vai gerar muita polêmica. Ele mesmo foi muitas vezes assediado por integrantes do Fórum Econômico e do Banco Mundial para fazer o FSM conversar com Davos. Para ele, a conversa seria muito mais favorável ao mundo neoliberal.

¿ Fui alvo de pressões e de convites. Eles, em Davos, querem mostrar ao mundo que se preocupam com o social. Mas o que eles querem é usar o Fórum Social. Tanto que mudaram sua agenda, para tentar passar a idéia de que estão preocupados. O site deles parece até o do MST. Mas contestamos suas políticas, temos outra natureza. Antes de conversar, eu vou avaliar muito bem tudo isto.