Título: PROBLEMA DE PESO
Autor:
Fonte: O Globo, 30/01/2005, O País, p. 3

Doenças ligadas à obesidade matam mais do que a desnutrição no Brasil. Dados do Ministério da Saúde mostram que 447 mil pessoas morreram em 2003 vítimas de doenças crônicas agravadas pelo excesso de peso, como diabetes, hipertensão, câncer, infarto e acidente vascular cerebral. A desnutrição, a anemia e moléstias infecciosas como pneumonia e diarréia foram responsáveis por 54 mil óbitos no mesmo período.

O perfil dos doentes que batem à porta do sistema de saúde reflete a realidade captada pela Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE: o Brasil tem mais gordos do que desnutridos. O estudo, divulgado em dezembro, e que causou irritação no governo, mostrou que há 38,8 milhões de adultos acima do peso contra 3,8 milhões de desnutridos.

¿ O peso da obesidade já é maior no sentido de produzir mais internações, mais consultas e mais mortes ¿ reconhece o secretário de Vigilância em Saúde, Jarbas Barbosa.

O pior, diz ele, é que o problema deve agravar-se, uma vez que a obesidade está em ascensão, enquanto cai o número de famintos. Isoladamente a desnutrição mata mais do que o excesso de peso. Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) mostram que a falta de alimentação e a anemia provocaram diretamente 7.948 óbitos contra 1.018 da obesidade em 2003.

Obesidade é fator de risco para diversas doenças

O efeito nefasto da obesidade, porém, cresce à medida em que ela é fator de risco para um leque de doenças. No caso do diabetes do tipo 2, o mais freqüente, cerca de 80% dos casos atingem obesos, diz a coordenadora do Programa de Educação e Controle de Diabetes no Distrito Federal, Maria Stela de Oliveira Dias. Pior: metade dos pacientes tem também hipertensão. Como uma coisa atrai a outra, é comum que obesos tenham colesterol alto e desenvolvam doenças cardiovasculares.

¿ É uma bola de neve ¿ resume ela.

O Ministério da Saúde estima que 11% da população acima de 40 anos sofra da doença, dos quais quase quatro milhões recorrem ao SUS. A cada ano surgem 250 mil novos casos ¿ 37 mil pessoas morreram de diabetes em 2003. A hipertensão atinge 16 milhões de pessoas acima de 40 anos. Em 2003, foi um milhão de internações por problemas cardiovasculares.

Não se pode dizer exatamente quantos pacientes ficaram doentes porque eram obesos. O excesso de peso é apontado como fator de risco até mesmo para certos tipos de câncer. Mas há outros fatores de risco, como sedentarismo, tabagismo, herança genética e idade.

O Ministério da Saúde estima que pelo menos 211 mil mortes poderiam ter sido evitadas em 2003, caso a população se alimentasse melhor, fizesse exercícios e não fumasse.

A obesidade preocupa a Organização Mundial de Saúde (OMS). Dietas à base de farinha e frituras engordam a população pobre e fazem países como o Brasil enfrentar dois tipos de doença: as associadas à gordura e as ligadas à falta de comida.

Mundo teria hoje 300 milhões de obesos

A OMS estima que um bilhão de pessoas no planeta estejam acima do peso, sendo 300 milhões obesos. Na outra ponta, 800 milhões enfrentariam carências alimentares. As mortes por desnutrição e doenças infecciosas como pneumonia e diarréia vêm caindo no Brasil: foram 144 mil 1979, 96 mil em 1998 e 53 mil em 2003. Já as doenças crônicas só aumentam.

A consultora da Organização Pan-Americana de Saúde no Brasil, Zuleica Portela Albuquerque, lembra que a pesquisa do IBGE não mediu a desnutrição entre crianças e que o problema ainda é grave nos bolsões de miséria, tanto em favelas quanto no sertão.

¿ A desnutrição vem caindo, mas existe e é fator de risco para crianças com pneumonia ou diarréia. O mais grave é que compromete o desenvolvimento cognitivo dessas crianças, que depois terão dificuldades na escola ¿ diz ela.

Um estudo do ministério diz que a OMS considera a obesidade um problema de saúde pública tão grave quanto a desnutrição. ¿Projeções para as próximas décadas apontam para um crescimento epidêmico das doenças crônicas não transmissíveis na maioria dos países em desenvolvimento, em particular das doenças cardiovasculares, neoplasias (tumores) e diabetes tipo 2. A transição nutricional em curso nesses países, com o aumento expressivo da obesidade, é um dos fatores mais importantes para explicar esta tendência¿, diz o texto.