Título: É PRECISO SEPARAR CORRUPÇÃO DE ERRO¿
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Fonte: O Globo, 30/01/2005, O País, p. 4

Ao completar um ano à frente do Ministério do Desenvolvimento Social, o ministro Patrus Ananias diz que continua enfrentando um desafio duplo: combater com rigor as fraudes no Bolsa Família e, ao mesmo tempo, manter um programa que beneficiou 6,5 milhões de famílias em 2004. Patrus reconhece que houve desvios por parte de prefeituras, mas diz que a honestidade é a regra geral. E cita Guimarães Rosa: ¿O que Deus faz é na lei do mansinho. Mas o diabo é às brutas¿.

Por que ainda não foi possível passar a limpo o cadastro herdado do governo passado?

PATRUS ANANIAS: Tudo na vida é um processo. As coisas são construídas. No final do ano, já tiramos 200 mil duplicidades do cadastro. O primeiro passo foi fazer o Cadastro Único. Mas os cadastros antigos não se comunicavam. É preciso lembrar que, ao mesmo tempo em que o Bolsa Família atinge 6,5 milhões de famílias, continuamos pagando para aquelas famílias ainda não incorporadas ao programa os benefícios anteriores. O desafio é ter um maior controle sobre o programa e ao mesmo tempo garanti-lo.

E as prefeituras?

PATRUS:O nosso próximo passo será uma ação mais formal de cooperação com as prefeituras, estabelecendo critérios e procedimentos. E há os Conselhos de Controle Social, que é o controle da sociedade civil.

Como ex-prefeito, o senhor não ficou decepcionado com a conduta de alguns prefeitos, que na eleição municipal tentaram usar o cadastro do Bolsa Família de forma eleitoral?

PATRUS: Foram casos muito localizados. Cito aquela passagem do Guimarães Rosa: ¿o que Deus faz, é na lei do mansinho. Mas o diabo é às brutas, sai lambendo o prato¿. Estou convencido de que a maioria das pessoas, inclusive os prefeitos, representam os sentimentos médios do povo brasileiro. E o sentimento médio do povo brasileiro é bom. A honestidade é a regra. A honestidade é discreta, mas o mal é escandaloso, aparece e às vezes nos dá a impressão de ter mais adeptos. É claro que temos que ser rigorosos, não ter nenhuma complacência, nenhuma concessão à corrupção, à fraude. Mas cabe também um trabalho pedagógico. É importante distinguir a corrupção, que é inaceitável e é um erro intencional, do erro material. Há erros de avaliação, de escolhas, que eventualmente exigem correções, mas não vão engordar a conta bancária e o patrimônio de quem o praticou.

No novo sistema os prefeitos fazem também o controle dos cadastros?

PATRUS: Os prefeitos e a sociedade. Estabelecemos que os prefeitos mantenham os cadastros atualizados. Uma pesquisa da CGU mostra que 90% dos problemas das prefeituras são erros administrativos.

O próprio presidente Lula reclamou que as famílias não estavam cumprindo as contrapartidas, mantendo seus filhos na escola.

PATRUS: Tínhamos programas dispersos. Os cadastros não se comunicavam e todos tinham problemas graves. O Bolsa Escola (incorporado ao novo Bolsa Família), no plano nacional, nunca teve fiscalização efetiva. Unificamos os cadastros. Isso possibilita um controle interno. Estamos com uma ação vigorosa com a Caixa Econômica Federal nesse sentido. E estamos buscando financiamento no Banco Mundial para a busca de novas tecnologias que possibilitem o controle maior dos cadastros.

Mas o senhor está propondo novamente a fusão do Bolsa Família com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti)? Essa tese sempre foi polêmica no governo.

PATRUS: Estamos discutindo isso sim.

Como o senhor vê o fato de o Bolsa Família e o Fome Zero terem um reconhecimento mundial e aqui receberem tantas críticas?

PATRUS: Estamos no caminho certo, a pesquisa da ONU aponta nesse sentido. Agora mesmo o Banco Mundial indicou o Bolsa Família como modelo de programa para o Egito. Muita gente ainda acha que o crescimento econômico por si só resolve o problema social. No ano passado, tivemos um orçamento de R$14 bilhões. E esse ano vamos para mais de R$16 bilhões.

O que muda no Bolsa Família em 2005? Onde serão distribuídas as 2,2 milhões de bolsas adicionais que serão dadas esse ano?

PATRUS: Esse ano chegaremos a 8,7 milhões de famílias. Queremos equilibrar de maneira mais ou menos uniforme a distribuição do programa no território nacional. E fazer o atendimento das regiões metropolitanas. E ainda vamos priorizar as famílias muito pobres, com renda per capita de até R$50.

O Fome Zero ficou esvaziado com a criação do Bolsa Família?

PATRUS: O Fome Zero é um conceito, são todas políticas sociais para garantir o direito à alimentação. Não é uma política social específica, é uma política pública.