Título: LUNDGREN TERIA ENCOMENDADO TNT NA 2ª GUERRA
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 30/01/2005, O País, p. 11

O ano era 1940 e mesmo sem ainda ter entrado na Segunda Guerra Mundial ¿ o que ocorreria em dezembro de 1941, após o ataque a Pearl Harbour ¿ os Estados Unidos acompanhavam a repercussão do conflito no Brasil. De acordo com documentos obtidos pelo GLOBO nos arquivos do governo britânico, não era paranóia: em março daquele ano, os dois países trocaram informações sobre uma tentativa de exportação de nove toneladas do explosivo TNT para Recife.

O explosivo foi encomendado oficialmente em nome de uma empresa têxtil, por ação de um intermediário dinamarquês suspeito de ligações com o regime nazista.

Americanos descobriram destino da carga

A operação acabou bloqueada depois de agentes americanos descobrirem que o destino da carga seria a Pernambuco Powder Factory, empresa da família sueca Lundgren, que historiadores brasileiros dizem ter sido simpatizante a Adolf Hitler.

As circunstâncias históricas não sugerem explicitamente uma tentativa de sabotagem, uma vez que os governos brasileiro e alemão ainda mantinham uma relação cordial em 1940 ¿ o rompimento viria dois anos mais tarde, em função dos ataques de submarinos alemães a embarcações comerciais verde-amarelas no Atlântico. E a presença militar americana no Brasil se tornaria significante em março de 1941, com o uso de bases no Nordeste.

Ainda assim, além de a quantidade de TNT ser suficiente para uma explosão devastadora na região, a presença de agentes secretos alemães em territórios brasileiro e sul-americano em busca de simpatizantes e sabotadores data pelo menos do outono de 1939. E uma carta enviada a Londres pelo Consulado Britânico em Recife chama a atenção para o fato de que a família Lundgren tinha também fábricas em São Paulo, onde mais de 100 funcionários eram alemães.

O dossiê britânico sobre o episódio conta apenas com três páginas, mas está classificado na categoria ¿relatos sobre atividades inimigas no Brasil¿ e faz menção ao fato de o intermediário em questão, Walter Hendler, ter irmãos e pai de cidadania alemã.

Há atenção especial ao fato de o pedido do TNT ter sido feito em nome do Cotonifício Othon Bezerra de Mello, empresa pertencente a uma família rival da Lundgren, e a especulação de que o erro poderia ser uma tentativa de burlar a vigilância dos EUA, que seria muito mais atenta diante de um pedido feito diretamente por uma fábrica de explosivos.

Veracidade de depoimento foi questionada

O consulado interrogou também o inglês Gordon Paterson, gerente da Powder Company, num episódio que deixou seu interlocutor com uma pulga atrás da orelha:

¿A entrevista me deixou com dúvidas sobre a veracidade dos depoimentos dados por Mr. Paterson, que pareceu bastante embaraçado quando abordei a questão¿, escreve o funcionário, identificado apenas como MacGregor.

O fato é que a Alemanha via o Brasil como o local ideal para montar sua rede de espionagem no hemisfério ocidental, já que tentativas de usar os EUA tinham esbarrado no FBI. Além disso, o território brasileiro era geograficamente estratégico.