Título: ESTADO SÓ TRATA 25% DO ESGOTO JOGADO NA BAÍA
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Fonte: O Globo, 30/01/2005, Rio, p. 17

Tarde de terça-feira: sob um calor de 38 graus, Taís Nunes da Silva, de 8 anos, se esbalda no piscinão de São Gonçalo. O lago artificial de 6.500 metros quadrados, às margens da Baía de Guanabara, é a praia que sua geração herdou. Perto dali, um ¿lago¿ bem maior, com um espelho d¿água de 380 quilômetros quadrados, não convida ao banho, embora seja a fonte da água que depois de tratada refresca Taís.

Do outro lado do muro do piscinão, que faz parte do Parque Ambiental Praia das Pedrinhas, fica a Estação de Tratamento de Esgoto de São Gonçalo. Ela deveria contribuir para limpar as águas da baía onde a mãe de Taís, Maria de Fátima Nunes, de 28 anos, costumava mergulhar quando criança. Mas, com uma série de problemas operacionais, a estação não cumpre o seu papel.

Taís não era nascida quando o governo do estado prometeu despoluir a baía com um projeto orçado hoje em US$1,04 bilhão (R$2,83 bilhões), dinheiro suficiente para construir seis Linhas Amarelas. O objetivo era beneficiar 7,6 milhões de moradores em 16 municípios que integram a Bacia da Baía de Guanabara.

Mas, dez anos depois de iniciadas as obras do projeto, o estado trata apenas 25% de todo o esgoto jogado na baía. Ou seja, 75% são lançados in natura. A meta era tratar 58% dos dejetos até 1999, quando seria concluída a primeira fase. Numa segunda etapa, o índice de tratamento subiria para 82%.

¿ Para nós, esse programa é uma frustração ¿ critica o presidente da Federação dos Pescadores do Estado do Rio de Janeiro (Feperj), José Maria Pugas. ¿ A baía está cada vez mais poluída. Não sei se é incompetência ou o que é.

Custo financeiro já chega a R$537 milhões

Apesar dos parcos resultados, os gastos são robustos. Até agora, o programa ¿ financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo Banco Japonês para Cooperação Internacional (JBIC), com contrapartida do governo do estado ¿ tragou cerca de US$855 milhões (R$2,3 bilhões).

Desse total, US$656 milhões (R$1,7 bilhão) foram investidos em obras e serviços e US$199 milhões (R$537 milhões), ou 23,2%, se referem a custos financeiros (juros, correção monetária e comissões sobre o saldo não desembolsado).

Ou seja, o estado consumiu 82% dos recursos, levou mais do que o dobro do tempo previsto para a primeira fase e não alcançou sequer a metade da meta. Hoje, o maior programa de saneamento dos últimos 30 anos, como é trombeteado pelo estado, se debate num mar de contradições.

Ao longo dos últimos quatro governos, foram construídas ou ampliadas oito estações que, juntas, têm capacidade para tratar 11.869 litros de esgoto/segundo, mas hoje tratam apenas 4.762 litros, o que representa cerca de 25% do total de 20 mil litros/segundo jogados na baía.

¿ Os governos mostraram total incapacidade ¿ diz Manuel Sanches, presidente do Instituto Baía de Guanabara e um dos negociadores do financiamento no início dos anos 90. ¿ O programa é bom, mas precisa de executores eficientes, o que não é o caso do estado.

A explicação para o descompasso entre o dinheiro gasto e o esgoto tratado é clara como a água da baía de antigamente: o estado construiu as estações, mas não instalou todos os troncos coletores e redes. As estações tinham 100% de financiamento externo, mas as redes dependiam fundamentalmente de verba do estado.

¿ Não adianta olhar pelo retrovisor ¿ argumenta o gerente do projeto, Aldoir Melchiades de Souza. ¿ A prioridade agora é implantar os troncos.

Mas, num programa cuja conclusão já foi adiada cinco vezes, a lógica às vezes entra pelo cano. Em São Gonçalo, a estação de tratamento está pronta e as redes implantadas. A estação, no entanto, opera com 33% de sua capacidade.

O tratamento secundário ¿ que remove até 90% da sujeira ¿ não está funcionando, porque a Cedae optou por uma tecnologia cuja manutenção, caríssima, depende de uma única empresa. Resultado: o tanque para tratamento secundário foi abandonado e uma nova licitação está sendo feita para se construir outro tanque.

Vizinhos de estação não têm rede de esgoto

Os dois digestores da estação, vistos da Rodovia Niterói-Manilha, não funcionam, devido a um problema nos compressores. Por isso, a estação não está fazendo adequadamente sequer o tratamento primário (que remove 55% da carga).

¿ Baía limpa é uma coisa para os meus tataranetos ¿ brinca o pescador Renato Américo Lopes, de 66 anos, morador da Praia das Pedrinhas, uma vila de pescadores vizinha à estação de tratamento de esgoto de São Gonçalo.

Pode ser exagero de pescador. Mas o cenário à sua volta lhe dá crédito. Perto de sua casa, onde o saneamento ainda não chegou, uma língua negra joga esgoto in natura na baía. Ao lado, uma placa informa: ¿Área de proteção ambiental¿.

A conclusão da primeira fase do programa está prevista para 25 de dezembro do ano que vem, às vésperas do aniversário de 12 anos. Não se deve esperar um mar de almirante nesta reta final. Cerca de 90% do financiamento externo já foram gastos e, agora, caberá ao estado entrar com a maior fatia. Pelos cálculos do governo, restam US$163,9 milhões (R$442,5 milhões), sendo US$98,6 milhões (R$266 milhões) do estado.

¿ É injusto dizer que o dinheiro foi desperdiçado ¿ alega o gerente do programa. ¿ Pelo contrário. Conseguimos até economizar, o que nos permitiu fazer obras que estavam previstas para segunda fase.

Os japoneses, que têm a chave do cofre, porém, não compartilham o otimismo. Ao ser indagado sobre a possibilidade de financiar a segunda fase, o representante do JBIC no Rio, Takao Ono, vai direto ao ponto:

¿ Antes de o estado terminar a primeira fase, não podemos discutir a segunda.

O BID divulgou uma nota informando que os resultados dos investimentos na baía ainda não podem ser percebidos porque as obras das redes coletoras não estão concluídas.