Título: TRABALHADOR TEME VOLTA DO PROÁLCOOL
Autor: Ronaldo D'Ercole
Fonte: O Globo, 30/01/2005, Economia, p. 39

Euforia para uns, temor para outros. Enquanto os empresários aguardam com expectativa incentivos para produção e exportação de álcool, a maioria dos trabalhadores rurais de Pernambuco teme uma reedição do Proálcool. É que embora tenha gerado empregos no estado ¿ que chegaram a 240 mil nos canaviais ¿ o programa provocou sérios problemas sociais.

A chamada Lei do Sítio virou letra morta. Pela lei, cada família residente nos engenhos tinha direito a um pedacinho de terra no fundo da casa para cultivo de lavouras de subsistência. Com o avanço da cana ¿ muitas chegando a poucos palmos de distância da porta dos lavradores ¿ cerca de 35 mil sítios foram destruídos. É o que diz documento elaborado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e entregue a entidades internacionais de defesa de direitos humanos.

¿ Se 35 mil sítios foram destruídos, igual número de famílias deixou o campo durante o Proálcool, o que significa que cerca de 175 mil pessoas foram expulsas da área rural da Zona da Mata e vivem hoje nas periferias ¿ diz Marluce Melo, coordenadora regional da CPT.

Nos canaviais, há menos da metade dos trabalhadores

Coincidentemente, diz Marluce, 35 mil é o número de famílias sem terra acampadas no estado, onde a reforma agrária em toda a sua história promoveu só 12 mil assentamentos. Secretário de Política Salarial da Federação dos Trabalhadores de Agricultura e presidente da entidade nos tempos do Proálcool, José Rodrigues critica aquele programa. E teme a repetição dos problemas.

¿ O Proálcool piorou a situação do trabalhador, porque os sítios foram destruídos para ceder lugar à cana e eles perderam lavouras de subsistência que garantiam comida na entressafra. Agora, sem sítio, quando acaba o corte, a situação é de fome. Naquele tempo havia 240 mil pessoas trabalhando nos canaviais. Hoje esse número caiu em mais da metade: não passa de cem mil e na entressafra se reduz em 30%. Sem emprego, sem terra, esse povo vai comer o quê? ¿ indaga Rodrigues.

Marluce condena:

¿ Pela experiência que tivemos, caso a situação se repita, podemos dizer que o álcool só é limpo do cano de escape para fora, porque socialmente é muito sujo.

Ao menos seis presidentes de sindicatos de trabalhadores rurais da Zona da Mata têm a mesma opinião. José Lourenço da Silva, de Aliança, resume o que pensam os outros:

¿ Esperamos que o governo tenha alguma programa melhor do que o Proálcool. Esse só foi bom para os usineiros. O trabalhador perdeu os sítios, foi expulso para as cidades e hoje vive ao Deus dará. Naquele tempo, na entressafra, o lavrador fazia um cesto de manga ou banana do sítio e enganava a fome. Hoje ele até mendiga.

`Para ter de volta um pedaço de terra¿

Antônio Sérgio da Silva, de 55 anos, é um exemplo. Começou a cortar cana aos 5 anos, quando o pai morreu e passou a sustentar a mãe. Morava num engenho, mas foi para a periferia e, desde 1998, não encontra trabalho formal. Faz bicos ou corte de cana clandestino:

¿ Naquele tempo, além do corte de cana eu plantava macaxeira, batata, feijão. Agora, quando tenho fome, boto um anzol nas costas e vou pescar.

O mesmo ocorreu com José Nunes, de 56 anos, que mora no bairro mais pobre de Camutanga, distante 113 quilômetros de Recife. Virou sem-terra e freqüenta um acampamento do MST ¿para ter um pedaço de terra de volta¿.

Inácio Apolônio da Silva, de 28 anos, nunca ouviu falar do Proálcool, mas foi do campo para a periferia da cidade ainda criança. Trabalha como avulso, em engenhos da região, e, no último mês, conseguiu apenas oito dias de trabalho a R$10 a diária. Na semana passada, perambulava com a família por uma rodovia em Camutanga, depois de ter ido buscar inhame no roçado de uma prima. Apolônio mora em uma casa de taipa, sem luz nem água.