Título: A TEORIA DO DOMINÓ NA POLÍTICA EXTERNA DE BUSH
Autor: Graça Magalhães
Fonte: O Globo, 30/01/2005, O Mundo, p. 41

Com as eleições de hoje, o Iraque dá um passo rumo a uma era de paz e prosperidade ou para o precipício. Para o governo Bush é melhor do que nada ou, pior, do que a farsa. Pode ajudar a dar legitimidade à sua política externa e assim justificar a morte de mais de 1.400 soldados e o gasto de centenas de bilhões de dólares dois anos após a invasão. A opinião pública americana não deposita um voto de confiança nesta cruzada democrática do presidente, mas, de novo, é melhor do que nada para a Casa Branca. Quem não tem armas de destruição em massa, caça com democracia.

No arsenal de justificativas para a invasão de março de 2003, os argumentos mais potentes envolviam as armas de Saddam Hussein e seus vínculos com a Internacional Terrorista de Osama bin Laden. As provas do crime não se materializaram e Bush passou a entoar com muito vigor a ladainha democrática. Ufa! Para alguma coisa a guerra serviu.

É uma pregação por si muito razoável. A tradição do realismo nu e cru da segurança nacional na História americana tem a companhia desajeitada de um idealismo petulante em prol de um mundo livre made in USA. Mas é irônico que o Oriente Médio, onde americanos sempre estiveram à vontade com déspotas e monarcas variados, seja o alvo preferencial deste empenho democrático de Bush. Não é à toa que bons e velhos (e corruptos) aliados regionais dos EUA estejam inquietos com a fluidez dos acontecimentos. Apenas neste mês de janeiro foram as eleições palestinas e agora no Iraque.

Há fluidez e também densidade. Eleições no Oriente Médio, para o pior ou para o melhor, serão cruciais para determinar o legado da era Bush. De acordo com o jornal ¿Washington Post¿, privadamente o presidente já expressou a crença de que daqui a 50 anos ele será lembrado por esta empreitada pró-democracia. O projeto que começou no remoto Afeganistão vai longe. Bush acredita que as eleições palestinas e iraquianas vão gerar uma reação em cadeia na região. É uma espécie de teoria do dominó, em que as peças ditatoriais (Bush prefere a expressão ¿tirânica¿) deverão cair uma após a outra. E no quintal do ex-império soviético é a revolução laranja da Ucrânia e outras cores da liberdade.

Mas mesmo o Bush tão senhor das certezas fica um pouco assustado com a grandeza do seu projeto democrático e com o risco que significa nas relações com alguns aliados autoritários vitais como Arábia Saudita e Egito, sem falar de gigantes emergentes como a China. O presidente já caracteriza o objetivo enunciado no seu segundo discurso de posse de ¿acabar com a tirania no nosso mundo¿ como um ideal a longo prazo e não como uma nova política externa. Mas para o Iraque fica valendo, na ausência de um argumento mais convincente para explicar o investimento americano naquelas bandas.

O comedimento generalizado parece mais realista. O foco hoje em liberdade contrasta com a retórica da primeira campanha presidencial de Bush no ano 2000. Condoleezza Rice, hoje secretária de Estado e então consultora do candidato texano, escreveu na revista ¿Foreign Affairs¿, que segurança nacional e não construção de democracia seria a prioridade da política externa republicana. Na ocasião, Bush e sua tropa faziam picadinho do idealismo ingênuo dos democratas. A ingenuidade se converteu na nobreza das intenções dos republicanos.

Para o sempre fiel lugar-tenente Tony Blair este foco de Bush em liberdade representa uma ¿evolução consistente da política americana¿. É um avanço nem sempre coerente, mas é melhor do que nada.