Título: Homem apaixonado pela família e por desafios
Autor: Bernardo de la Peña
Fonte: O Globo, 30/01/2005, O Mundo, p. 44
Em um ano no Oriente Médio, uma das maiores preocupações do engenheiro João José Vasconcellos Júnior, seqüestrado há 12 dias no Iraque, era mostrar aos seus familiares um país diferente daquele que aparecia no noticiário internacional. ¿Essa é a Bagdá que os jornais e as TVs não mostram¿, costumava escrever nos e-mails que enviava mais de uma vez por semana aos irmãos com fotos digitais, um de seus principais hábitos, de locais tranqüilos. Pelo que afirmam seus parentes, o engenheiro gosta do Iraque.
Aos irmãos, ele dizia não ter medo da violência e nem das viagens que costumava fazer pelos 180 quilômetros de estrada que ligam Bagdá a Baiji, onde foi seqüestrado, dormindo no carro. Ele parecia confiar na equipe de dez seguranças que o acompanhava:
¿ Até perguntava: ¿Mas você não tem medo?¿ Ele respondia: ¿Eu entro no carro e durmo¿ ¿ conta a irmã Isabel Vasconcellos, que vive em Juiz de Fora, cidade em que moram os pais do engenheiro e onde ele cresceu.
As mudanças constantes e a vida dedicada ao trabalho num país estranho não foram novidade para Vasconcellos. A obra de reconstrução da usina foi o terceiro trabalho internacional do engenheiro, que foi para o Iraque por vontade própria. Ele tinha a opção de ter ido trabalhar na construção, feita também pela Odebrecht, onde está há 20 anos, de uma hidrelétrica no Equador. Segundo um ex-dirigente da empresa, a vantagem de ir para o Iraque seria a remuneração:
¿ Ele sempre buscou obras no exterior porque elas têm maior rentabilidade ¿ explicou um ex-colega, que pediu para não ser identificado.
Mas o brasileiro, de acordo com parentes, gosta da cultura árabe. Em seu apartamento, na Barra da Tijuca, além do mapa do Iraque ¿ em que costuma marcar com alfinetes, nas suas vindas ao Brasil, onde estaria ¿ Vasconcellos pendurou duas telas de artistas iraquianos que mostram paisagens e mesquitas. Fumante, o engenheiro também aderiu ao hábito árabe de fumar com o narguilé.
Para a irmã, a única coisa que o incomodava era a falta de liberdade para ir e vir. Por causa da segurança, os seis engenheiros da companhia costumavam ficar na casa que lhes servia de escritório em Bagdá. Na tentativa de aprender a se comunicar, Vasconcellos levou até cópias de um dicionário com frases em árabe quando foi pela primeira vez ao Iraque.
¿ Ele tem a preocupação de sempre trazer um pouco do país onde ele estava e levar um pouco do Brasil ¿ contou a irmã.
Para irmã, desafio atraiu o engenheiro
Um dos quatro irmãos de uma tradicional família de Juiz de Fora, Vasconcellos estudou no Colégio Jesuíta e na Universidade Federal de Juiz de Fora. Joãozinho, como é conhecido entre os colegas de faculdade, e Papito, apelido dado pelos filhos, é descrito como um aluno que se destacava entre os que se formaram na turma de 1978. Uma das pessoas com quem Vasconcellos se aconselhou antes de ir para o Iraque, o professor Luiz Cesar Pacheco lembra da conversa em 2003:
¿ João foi um aluno que se destacava. Era cabeludo, usava um macacão jeans, mas sempre foi muito audacioso. Acho que ele foi para o Iraque por isso. Seria um desafio ¿ conta o professor, que trabalhou nas obras da Mendes Júnior de construção de uma ferrovia e uma rodovia no Iraque entre 1982 e 1984, tempos da guerra com o Irã. ¿ Disse para ele que tinha trabalhado durante uma guerra e que não tinha tido problemas ¿ lamenta Pacheco.
A irmã Isabel, que mantinha contato quase diário com o engenheiro, lembra de como ele gostou do desafio de trabalhar no Iraque: ¿Eu vou botar essas meninas para funcionar¿, escrevia o engenheiro, referindo-se às turbinas da usina que estava reconstruindo.
¿ Ele gostava daquilo. Achava que era um desafio profissional ¿ lembra Isabel.
Fora o trabalho, segundo amigos, o que o engenheiro gosta é de estar com a família e de boa comida. Vasconcellos é fã de um bom acarajé, de churrasco e de goiabada. Para agradar aos filhos, fez até um curso de mergulho em Búzios nas férias. A prática, entretanto, se tornou um hábito. Tanto que o engenheiro levava sua carteira de mergulhador ¿ um dos documentos apresentados pelos seqüestradores no Iraque ¿ onde ia.