Título: A seca ao lado da caixa d¿água
Autor: Paulo Marqueiro e Tulio Brandão
Fonte: O Globo, 01/02/2005, Rio, p. 12

Dizem que depois da tempestade vem a bonança. Mas, pelos caminhos tortos do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, as duas costumam chegar juntas ao Parque Fluminense, em Duque de Caxias, na Baixada. Explica-se: a água que cai do céu é uma dádiva para os 60 mil moradores que sofrem com o problema crônico das torneiras secas. Não devem ser os únicos, mas o que torna o drama singular é o fato de eles serem vizinhos de uma caixa d¿água de dez milhões de litros, erguida há sete anos com dinheiro da despoluição.

Dos dez reservatórios construídos com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) ¿ oito na Baixada e dois em São Gonçalo ¿ apenas um está em operação: o de Belford Roxo, com dez milhões de litros. Alguns, como o do Parque Fluminense, nunca receberam água e, segundo vizinhos, já começam a apresentar rachaduras. O custo das obras de abastecimento, incluindo a duplicação da adutora da Baixada, vai a US$ 204 milhões (R$ 550 milhões).

Quando São Pedro abre as torneiras lá de cima, moradores ¿ especialmente os da parte alta do Parque Fluminense ¿ correm para o reservatório. A caixa d¿água, que custou aos cofres públicos cerca de R$ 9 milhões, está vazia há anos, mas a água da chuva acumulada na laje jorra com fartura pelos ladrões, ajudando a encher baldes e galões. É a parte que lhes cabe do bilionário programa de despoluição da baía.

¿ Nós bebemos água da chuva ¿ admite o pedreiro desempregado João Aparecido Lourenço da Silva, de 31 anos, vizinho do reservatório.

`Às vezes bate um desespero¿

Casado, cinco filhos, João sempre imaginou que, morando a menos de cem metros de um reservatório da Cedae, água não seria problema. Mais do que os outros, ele tinha motivos para acreditar. Afinal, suas mãos ajudaram a construir a caixa d¿água:

¿ Ninguém imaginava que isso ia acontecer.

Nos dias mais quentes, a mulher, Maria Aparecida, de 29 anos, pega as crianças e as leva para tomar banho na casa da irmã:

¿ Às vezes bate um desespero e eu digo: ¿Vamos embora daqui¿. Mas ele responde: ¿Quem vai querer comprar uma casa que não tem água?¿

Acostumados a passar longos períodos com as torneira secas, moradores do Parque Fluminense tiveram de aprender a tirar água de pedra. A diarista Elza Maria Alves Schmidt, de 54 anos, casada, três filhos, instalou no telhado uma calha que leva a água da chuva diretamente para um galão. A que vem do céu ela usa para tomar banho e fazer faxina. A da Cedae é utilizada na cozinha.

Mas, como a Cedae costuma ser mais imprevisível do que São Pedro, nos dias de fartura Elza enche dezenas de garrafas PET e as acondiciona deitadas, como numa adega. São mais de cem. Nos períodos de estiagem, vai esvaziando as garrafas:

¿ Aqui nós temos reservatório, temos encanamento, só falta a água.

Um pano de prato estendido sobre a torneira da pia denuncia o longo período de seca. Elza diz que há quase um mês não entra água. O jeito é se virar com os galões. E a chuva. Bendita chuva. No dia 19 de janeiro, ela aproveitou o aguaceiro para cuidar da roupa. Do mutirão de limpeza não escaparam nem as Barbies de sua filha, que secavam no varal penduradas pelos cabelos louros.

¿ Onde tem goteira, eu vou botando o balde ¿ afirma a diarista.

O reservatório que jaz a cem metros da casa de Elza nem parece um bem público. O portão foi furtado há tempos. A guarita, que chegou a ser ocupada um dia, está abandonada. A fiação, dizem, também foi levada. Nas paredes da guarita, marcas de bala e pichações com nomes de facções criminosas dão a impressão de que o lugar não tem dono. Ou que talvez já tenha outros donos.

Moradores dizem que traficantes costumam freqüentar a área. O que era um problema de infra-estrutura ameaça se transformar numa questão de segurança. Por enquanto, a comunidade tem conseguido manter a ordem. Mas não sabe até quando.

¿ Os guardas que ficavam aqui foram expulsos pela malandragem e agora o lugar está virando uma boca-de-fumo ¿ afirma Élcio Lima da Luz, síndico do condomínio Parque Fluminense e ex-presidente da associação de moradores do bairro.

Em Porto da Madama, São Gonçalo, vizinhos do reservatório Marques Maneta vivem situação semelhante à dos moradores do Parque Fluminense. A caixa d¿água, com capacidade para 18 milhões de litros, e projetada para beneficiar 200 mil moradores, ainda não funciona. Segundo a Cedae, está em fase de testes. De acordo com moradores, está seca.

¿ Ela está vazia ¿ diz Rogéria Gonçalves Bié, de 28 anos. ¿ Quando tem água, a gente vê logo, porque vaza por tudo quanto é lado. Dizem que eles não conseguem consertar os vazamentos. O pessoal tem até medo de um dia ela desmoronar.

No bairro Olavo Bilac, em Duque de Caxias, um reservatório com capacidade para cinco milhões de litros também está seco há algum tempo, como denuncia a planta que brota dentro da caixa d¿água. Moradores se queixam de que a área está abandonada.

O chefe da Divisão de Execução do Programa de Despoluição da Baía, Aldoir Melchiades de Souza, diz que todos os reservatórios estão em bom estado e promete entregar até o fim deste ano as nove caixas d¿água que não estão operando.

De acordo com Aldoir, os reservatórios Olavo Bilac, 25 de Agosto, Éden, Coelho da Rocha (todos na Baixada), Colubandê e Marques Maneta (em São Gonçalo) já estão sendo testados. Ainda segundo ele, os de Retiro Feliz, Lote XV e Parque Fluminense, também na Baixada, deverão entrar em funcionamento até o fim do ano.

¿ O de Belford Roxo já foi entregue. E os outros estão em fase de testes ¿ garante Aldoir.

Em todo caso, o Instituto Nacional de Meteorologia informa: a chuva continua pelo menos até amanhã.