Título: Nadim Shehadi: `O medo das minorias é uma isca para sentimentos sectários¿
Autor:
Fonte: O Globo, 01/02/2005, O Mundo, p. 24
Festejadas por EUA e Reino Unido como prova de estabilização da situação política do Iraque, as eleições de domingo escondem o perigo de uma fragmentação ainda maior dos grupos religiosos e étnicos do país. É o que afirma o libanês Nadim Shehadi, um dos principais especialistas em Oriente Médio do Royal Institute of International Affairs, de Londres. Em entrevista ao GLOBO, ele critica o modelo adotado para o pleito.
O senhor compartilha do otimismo de Londres e Washington?
NADIM SHEHADI: Bush e Blair tinham mesmo que ir à TV celebrar o pleito, pois seus pescoços estão na reta por conta dos problemas no Iraque. Mas já era esperado um grande comparecimento às urnas porque os iraquianos há cinco décadas não exerciam esse direito. Mas poderiam ter esperado mais seis meses, pois melhores negociações poderiam evitar que a eleição acabe aprofundando as divisões já existentes no país. É muito cedo para celebrar a tal volta da democracia ao Iraque.
O senhor se refere ao problema da tensão entre xiitas e sunitas?
SHEHADI: Não só a esse tipo de atrito. O problema é que o processo eleitoral deveria ter sido precedido por algum tipo de acordo que garantisse um sistema de cotas para xiitas, sunitas e curdos, para evitar um quadro que estimula o voto em partidos ou candidatos mais radicais, a polarização das eleições, ainda mais com as evidências dos problemas relacionados ao voto sunita. Era preciso buscar o equilíbrio na composição da nova Assembléia e na criação da nova Constituição, o que pode ser tarde demais para se obter agora.
E que medidas podem ser tomadas?
SHEHADI: Os próximos meses serão ainda mais perigosos. O governo iraquiano não pode cair na ilusão de permitir que a Assembléia, que será dominada pelos xiitas, tome conta da Constituição. É preciso que se crie algum comitê que possa intermediar um pacote constitucional consensual, que minimize o atrito entre os grupos, o que essas eleições não parecem ter ajudado a contornar. O medo das minorias é uma isca para sentimentos sectários.