Título: Anne Nelson: `É hora de ser mais cuidadoso¿
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 01/02/2005, O Mundo, p. 25
Os EUA estão vivendo uma guerra cultural da intelligentzia com as massas e, nesse momento, a elite está perdendo. Esta é a análise feita pela professora de jornalismo internacional da Universidade de Columbia, Anne Nelson, para explicar o tom de surpresa que marcou o noticiário dos jornais ontem, sobre a eleição do Iraque. As televisões aderiram imediatamente à tese de que o comparecimento às urnas foi uma vitória da democracia e, portanto, dos americanos no Iraque. Mesmo os mais críticos, como o ¿New York Times¿, foram mais elogiosos do que o costume.
O que a senhora achou da cobertura da mídia das eleições americanas?
ANNE NELSON: A sensação que tive é que pareciam surpreendidos com a eleição. O ¿New York Times¿, por exemplo, ressaltou mais os aspectos positivos do que vem fazendo.
Mas aparentemente foi uma surpresa mesmo para a grande maioria da mídia, não?
ANNE: Ainda não dá para saber o significado dessas eleições. Democracia não necessariamente quer dizer votos. Se você considerar que as pessoas não sabiam nada sobre os candidatos e suas políticas, que viviam numa situação de extrema violência, em que dava medo votar e que, para outros, o medo era não votar, verá que muitas vezes eleição não significa democracia. Democracia tem tantos pré-requisitos, como informação, política dos partidos, ou seja, se você faz uma eleição sem essas condições, o resultado pode não ser significativo.
As televisões, especialmente, pareciam entusiasmadas...
ANNE: Sim e os jornais, quando optam por destacar os milhões de pessoas que votaram, estão querendo mostrar que foi um sucesso. Um dos problemas da mídia neste momento foi não conseguir dizer que ainda não sabe o significado do que aconteceu no Iraque ontem. Todos os iraquianos amam a democracia? Talvez sim, talvez não. Esses candidatos e partidos são tão novos que ninguém pode saber o que defendem ou como se comportarão. É muito cedo para validar tudo isso como a mídia fez, é hora de ser mais cuidadoso.
Desde que Bush foi reeleito, as críticas às políticas do governo sumiram das TVs e ficaram mais leves nos jornais. A senhora concorda?
ANNE: Acho que é um momento muito complicado para a mídia agora. Este país está vivendo uma espécie de guerra cultural, entre a intelligentzia e as massas. E, atualmente, a intelligentzia está perdendo. E a mídia, a elite da mídia, está comprovando que a sua opinião pode ser neutralizada, que eles não são tão importantes como costumavam ser. Todo o sistema está mudando. A elite vinha se sentindo tão à vontade com sua influência que não notou como as coisas estavam mudando: os jornais têm uma importância menor na opinião pública agora. Acho que Bush entendeu essa nova realidade muito bem e baseia-se nela para traçar a estratégia republicana.