Título: LULA EM DAVOS: GOVERNO VENCEU A DESCONFIANÇA
Autor: Deborah Berlinck e Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 29/01/2005, Economia - Fóruns Globais, p. 25

Presidente faz balanço de dois anos de governo, é aplaudido, mas discurso não provoca o mesmo entusiasmo de 2003

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou ontem que a solidez do Brasil é muito mais forte do que já foi em qualquer outro momento. Ao discursar no Fórum Econômico Mundial, em Davos, para uma platéia de líderes empresariais e políticos do mundo, Lula fez um balanço de seu governo, mencionou os avanços na economia e na área social e lembrou que, há dois anos, quando esteve pela primeira vez em Davos, havia grande desconfiança em relação ao que um torneiro mecânico faria na Presidência da República:

- Tomamos a decisão de permitir que o Brasil possa crescer por dez, 15 ou 20 anos sem que faça nenhuma aventura. Estamos provando que é possível ter uma forte política fiscal e ao mesmo tempo uma forte política social. O Brasil não jogará fora essa oportunidade que o momento histórico e político lhe deu.

Na mensagem aos participantes do Fórum Econômico, pontilhada de improvisos, Lula mencionou todos os avanços e feitos de seu governo para mostrar que não há mais motivos para desconfiança. Falou das reformas, da queda da inflação, do aumento das exportações e dos investimentos externos e destacou as ações na área social.

Fome e pobreza pouco tocadas no discurso oficial

Em contraste com o que ocorreu em 2003, quando a fala do recém empossado presidente do Brasil causou grande impacto, no geral, o discurso de ontem foi recebido sem grande entusiasmo. Talvez pelo excesso de dados do balanço de dois anos do governo. No discurso oficial, ele falou pouco de fome e pobreza, pois poucos minutos antes havia participado de um debate sobre esses temas.

Lula lembrou que, em 2003, em Davos, havia se comprometido com um programa de combate à fome e mencionou os números do Bolsa Família.

- Até dezembro vamos atender 8,7 milhões de famílias e até o fim de 2006, se Deus permitir, chegaremos ao total das famílias abaixo da linha da pobreza.

Fome e pobreza ocupam grande espaço neste Fórum Econômico. O próprio organizador do evento, Klaus Schwab, comentou com Lula que provavelmente ele não imaginara em 2003 que o Fórum, dois anos depois, poria a pobreza no topo da agenda global.

O presidente destacou a atuação do Brasil no comércio internacional, lembrando que também assumira o compromisso de tentar mudar a geografia comercial do mundo.

-- Quando falamos isso, alguns imaginavam que íamos brigar com os Estados Unidos, com a União Européia. Tínhamos é que criar novas parcerias e novas realidades no mundo dos negócios.

Lula disse que voltava a Davos muito mais feliz. Ao ser perguntado qual seria o avanço que gostaria de anunciar em 2007, respondeu que ficaria muito feliz se cumprisse o compromisso de posse, de que cada brasileiro tenha três refeições por dia. Foi aplaudido pela platéia.

Discurso com improvisos e gafes

Lula diz que Brasil precisa participar da OMC, da qual já é membro

DAVOS (Suíça). No discurso de pouco mais de 20 minutos no Fórum Econômico Mundial, o presidente Lula cometeu duas gafes. Ao defender uma participação mais ativa do Brasil e de outros países na ONU, Lula chamou o continente africano de África do Sul. No mesmo contexto, disse que defendia a participação do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), quando o país já é membro, tendo obtido importantes vitórias em disputas comerciais na OMC.

- Nós estamos reivindicando a participação na OMC porque achamos que o Brasil é um país que tem muita importância.

Lula preparou um discurso, mas acabou, como de costume, fazendo vários improvisos. Ao falar sobre seus desejos para o ano que vem, se voltar ao Fórum, Lula disse que gostaria que o Brasil já estivesse participando do Conselho de Segurança da ONU, junto com Alemanha, Japão e Índia, além de um representante africano.

- Não dá para (a ONU) continuar funcionando como quando foi idealizada, no pós-guerra. Passaram 60 anos e tudo mudou no mundo - afirmou o presidente. (RA e DB)

CORPO A CORPO

BONO

'Lula mudou agenda de Davos'

DAVOS (Suíça). "É um grande líder". "Mudou a agenda de Davos". Os elogios ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva não foram feitos por um fã qualquer: partiram de Bono, o pop star do grupo irlandês U2. Em entrevista ao GLOBO, no Fórum Mundial de Davos, Bono - hoje um dos artistas mais engajados no combate à pobreza - disse que Tony Blair e outros líderes estão impressionados com Lula.

O senhor crê que em Davos as pessoas estão mesmo dispostas a combater a pobreza?

BONO: Normalmente, não. Mas alguns de nós insistimos. Eu não estaria aqui se não fosse para isso. É também a razão pela qual Gordon Brown (ministro inglês) e o presidente Lula vieram para cá. Eu achava que aqui seria só um lugar de debates, um lugar onde pessoas falam e só falam. Eu não imaginava que seria um lugar de ação. Hoje temos uma mudança do jogo. Gerard Schröder (o líder alemão) anunciou que estava aderindo ao IIF, mecanismo proposto pelos ingleses para levantar fundos para os pobres. Agora temos Alemanha, Grã-Bretanha, França e Itália. Isso muda o jogo!

O presidente Lula sugere uma taxação do comércio de armas...

BONO: Eu adoraria isso! Mas, no final, não interessa como, só importa quanto e quando.

O senhor acha que o presidente tem um papel especial nisso?

BONO: Acho que ele pode agir de forma única. Lembre-se: todo mundo cita o Brasil como um exemplo em como lidar com a epidemia de Aids. Quando eu vou me encontrar com ministros das Finanças, sempre falo no Brasil. Mas não só por isso. A forma como ele (Lula) anda com credibilidade junto às esquerdas... Mas ele também tem capacidade como um macroeconomista.

Mas ele não estudou economia...

BONO: Pois eu acho que ele aprendeu muito rápido sobre os mercados. Não sei se estudou ou não. Mas só sei que Blair e outros que conheço , todos estão me dizendo: "Uau, olhe este cara! Ele não é só um clássico político de esquerda".