Título: GOVERNO LIMITA ACESSO PRÉVIO A DADOS DO IBGE
Autor: Cássia Almeida e Adriana Vasconcelos
Fonte: O Globo, 29/01/2005, Economia, p. 27

Pesquisas anuais terão que ser enviadas mais cedo apenas ao Planejamento. Instituto diz que nada vai mudar

O Ministério do Planejamento decidiu estabelecer regras mais rígidas para a divulgação de dados produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com a portaria publicada ontem no Diário Oficial da União (DOU) e assinada pelo ministro interino Nelson Machado, qualquer indicador estrutural produzido pelo IBGE - como a Síntese dos Indicadores Sociais e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) divulgados anualmente - terá que ser encaminhado ao ministério 48 horas antes da divulgação oficial e não poderá ser distribuído à imprensa com antecedência. A portaria diz que os técnicos do IBGE não poderão comentar os resultados antes da divulgação oficial. E qualquer servidor que tiver acesso aos dados antes e não respeitar o sigilo será punido.

O presidente do IBGE, Eduardo Nunes, afirmou, porém, que o relacionamento com a imprensa não vai mudar com a portaria:

- A direção do IBGE entende que a portaria que normatiza a precedência das pesquisas estruturais ao Ministério do Planejamento não altera as relações que o IBGE vem mantendo com a imprensa há anos - disse Nunes.

Ele evitou comentários sobre a continuidade, ou não, do envio dessas pesquisas à imprensa com antecedência, desde que os jornais não publiquem as informações antes da divulgação oficial, o chamado embargo. O objetivo é permitir um melhor entendimento do resultado e, conseqüentemente, o esclarecimento dos dados à sociedade. Esse procedimento vem sendo mantido há quatro anos.

Besserman considera a medida um retrocesso

Para o ex-presidente do IBGE Sérgio Besserman, a medida representa um retrocesso em relação aos países desenvolvidos e uma afronta aos servidores do instituto.

- Não existe nada mais importante no Brasil do que aprofundar o conhecimento da sociedade sobre sua própria realidade. Nenhuma informação do IBGE pode ser considerada sigilosa, nem pode sofrer qualquer interferência na hora de sua divulgação. É uma afronta aos servidores do IBGE. Na história do instituto nunca houve um vazamento de dados.

A idéia da portaria surgiu depois da divulgação da segunda etapa da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) em dezembro. O estudo, que apontou a obesidade no Brasil como um problema mais grave do que a desnutrição, foi contestada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na ocasião, o Palácio do Planalto chegou a divulgar uma nota ressaltando que os dados divulgados pelo IBGE não teriam retratado os efeitos da subnutrição crônica no país.

Depois disso, houve negociação entre Ministério e IBGE para que o governo tivesse acesso mais cedo aos dados das pesquisas estruturais, que eram remetidas 24 horas antes da divulgação oficial, da mesma maneira que as pesquisas conjunturais, como as Contas Nacionais Trimestrais, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) e a Pesquisa Mensal de Emprego. Nessas pesquisas, a divulgação prévia poderia influenciar as transações no mercado financeiro.

Já os indicadores estruturais, por serem levantamentos muito amplos, são distribuídos à mídia, no mínimo, com uma semana de antecedência. Mas, segundo o Ministério do Planejamento, o governo decidiu que "a imprensa deve ter acesso aos dados no mesmo momento que o restante da sociedade".

Besserman afirma que, quando assumiu a presidência do IBGE, em 1999, o Brasil havia se comprometido, no âmbito de um acordo fechado com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a seguir o Sistema Especial de Disseminação de Dados, seguindo prática de países desenvolvidos. Até então, esses indicadores eram divulgados a autoridades, incluindo o presidente da República, às 18h do dia anterior da sua divulgação.

Governo já ampliara prazo das pesquisas mensais

Martus Tavares, então, estabeleceu que os dados conjunturais só seriam divulgados a autoridades com duas horas de antecedência, assim como ocorre nos Estados Unidos. Em setembro de 2003, o ex-ministro Guido Mantega determinou que as pesquisas fossem encaminhadas 24 horas antes.

- Isso já representou um recuo - disse Besserman.

O também ex-presidente do instituto entre 1994 e 1998 Simon Schwartzman não vê problemas no governo ter acesso aos dados com antecedência.

- No meu tempo, as pesquisas eram enviadas dois dias antes. Prática usada em qualquer parte do mundo.

O FIO DA MEADA

O IBGE foi tema de polêmica em dezembro do ano passado, quando o governo contestou a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), que afirmava que no Brasil há mais obesos que famintos. O presidente Lula afirmou que, na verdade, as pessoas têm vergonha de dizer que passam fome. Em julho de 2004, a polêmica foi em relação a estagnação do país na 72ª posição do ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2002 da ONU. O Ministério da Educação atribuiu ao IBGE a responsabilidade pelo envio de dados defasados sobre analfabetismo, o que teria levado à estagnação. Por sua vez, o IBGE atribui a responsabilidade à própria ONU.