Título: 'Uma eleição sob ocupação não é representativa'
Autor:
Fonte: O Globo, 29/01/2005, O Mundo, p. 31

'Uma eleição sob ocupação não é representativa'

No Brasil para o Fórum Social, Tariq Ali vê com descrença as eleições iraquianas. "Imagine se os alemães tivessem organizado eleições na França ocupada! Alguém aceitaria os resultados?", perguntou o escritor paquistanês, que no dia 1º participará do debate "Globalização e justiça social", no auditório do GLOBO.

Os iraquianos vão às urnas amanhã sob fortes medidas de segurança e num clima de medo. Esta eleição pode ser considerada representativa?

TARIQ ALI: Não. Uma eleição realizada sob ocupação militar estrangeira não pode ser representativa. Mesmo a obediente ONU está preocupada e apelou aos Estados Unidos que não usem seus soldados para levar as pessoas às seções eleitorais. Imagine se os alemães tivessem organizado eleições na França ocupada durante a Segunda Guerra Mundial! Alguém aceitaria os resultados? A resistência francesa teria parado de lutar?

O que pode mudar após a eleição?

ALI: Um novo governo (assumirá) composto em grande parte por grupos religiosos, a maioria dos quais tem colaborado com os EUA desde a ocupação. Há dois grupos armados no Iraque: a resistência e a ocupação. O novo governo dependerá dos exércitos ocupantes. Levando-se em conta que a maioria dos iraquianos deseja o fim da ocupação, as "eleições" poderiam provocar um levante no sul do Iraque assim que as pessoas perceberem que nada mudou. Os EUA desejam que o novo governo inicie uma guerra civil, mas eles podem acabar conseguindo unir a maioria dos iraquianos contra as forças ocidentais. Uma vez que as massas xiitas virem seus líderes colaborando abertamente com os americanos, poderão ficar revoltadas e engrossar as fileiras da resistência.

Um novo governo iraquiano pode atrair os rebeldes para o processo político?

ALI: Não! Os grupos de resistência já disseram que não vão participar de qualquer processo político patrocinado pelas tropas americanas.

Muitos soldados americanos já morreram, a situação se deteriora cada vez mais e os custos da guerra aumentam. Até quando o senhor acredita que os EUA ficarão no Iraque?

ALI: Enquanto não houver uma séria oposição em massa nos EUA. Mas há outros problemas. O número de recrutas no Exército americano está caindo drasticamente. E nem mesmo Bush vai introduzir o serviço militar obrigatório. Logo, cada vez estão sendo usados mais mercenários sul-africanos e de outros lugares, mas isso não é sequer uma solução a médio prazo.

Em sua opinião, o que acontecerá se as forças americanas deixarem o Iraque?

ALI: Após um período de incerteza, forças de diferentes grupos irão se juntar e defender a unidade do Iraque. Em meu livro "Bush na Babilônia", explico a força do nacionalismo iraquiano. Isso não pode ser subestimado. Todos os impérios tentam dividir e comandar populações subjugadas, mas nem sempre isso funciona.

Após Afeganistão e Iraque, os EUA parecem concentrar sua atenção agora no Irã...

ALI: Eles não podem considerar uma invasão com soldados. Não os têm. Os generais no Pentágono não vão permitir outra invasão. Um ataque às chamadas instalações nucleares é possível, mas isso significa que os líderes iranianos, que foram tão prestativos com os EUA nos casos de Afeganistão e Iraque, serão compelidos a se tornarem mais incisivos nessas áreas de guerra. Naturalmente os israelenses poderiam ser usados, mas esta seria uma opção perigosa.