Título: Tensão e euforia na votação dos exilados
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Fonte: O Globo, 29/01/2005, O Mundo, p. 31

Governo iraquiano fecha fronteiras, restringe trânsito e impõe toque de recolher para histórica eleição de amanhã

BAGDÁ. Iraquianos exilados começaram a votar ontem, enquanto em seu país a segurança era reforçada para permitir aos eleitores participar amanhã da primeira eleição democrática em mais de 50 anos. Fronteiras foram fechadas, o trânsito entre províncias foi proibido e em muitas cidades foi adotado toque de recolher (das 19h às 6h), numa tentativa de impedir a ação de rebeldes. Mas novos ataques mataram pelo menos dez iraquianos e cinco soldados americanos, e postos de votação foram atacados em seis grandes cidades.

Em Sydney, na Austrália, iraquianos dançaram nas ruas e exibiram orgulhosamente os dedos marcados por tinta durante a votação.

- Quando olho a tinta em meu dedo, isto é uma marca de liberdade. Não achei que fosse viver o suficiente para ver esse momento - disse Kassim Abood, num posto de votação.

Apesar da animação, apenas 280 mil dos cerca de 1 milhão de exilados em 14 países se registraram para votar.

No Irã, imagens do influente aiatolá Sistani na TV

Se em cidades ocidentais como Sydney e Londres o clima era festivo, em Síria, Jordânia e Turquia, a segurança foi reforçada, elevando a tensão. O trânsito em torno de postos de votação foi fechado e policiais submeteram eleitores a detectores de metal. Mas iraquianos ficaram igualmente emocionados.

- Sonhei com esse dia para dizer a meus netos que na primeira eleição da História do Iraque eu fui a primeira mulher a votar - disse Lamaa Jamal Talabani, de 60 anos, num posto de votação em Amã.

No Irã - que reúne o maior número de eleitores, cerca de 61 mil - filas se formaram em postos de votação. A TV do país exibiu repetidamente uma imagem do aiatolá Ali al-Sistani - influente líder xiita favorável à eleição - e pediu aos iraquianos que votassem em candidatos por ele apoiados. A eleição deverá dar o poder no Iraque à maioria xiita, que era perseguida por Saddam Hussein.

Segundo o jornal britânico "The Guardian", EUA e Reino Unido traçaram esta semana uma estratégia para a retirada de suas forças do Iraque. O número de policiais iraquianos seria duplicado e seriam criadas unidades paramilitares. Mas os EUA manteriam seus 150 mil soldados no país por dois anos.

O presidente George W. Bush disse ao "New York Times" que retiraria as tropas americanas do Iraque se o novo governo a ser eleito pedisse. Mas afirmou também esperar que elas permaneçam no país como ajudantes, e não como ocupantes.

- Tenho ouvido pessoas que presumivelmente terão uma posição de responsabilidade depois das eleição, mas nunca se sabe. Mas parece que líderes lá (no Iraque) entendem que haverá necessidade de tropas de coalizão pelo menos até os iraquianos serem capazes de lutar - disse.

O governo iraquiano anunciou ontem a prisão de dois dirigentes do grupo do líder terrorista jordaniano Abu Musab al-Zarqawi. Nas últimas semanas, autoridades anunciaram a captura de vários extremistas, numa clara tentativa de dar confiança aos eleitores, amedrontados por grupos que ameaçam matar quem votar.

Mas em Bagdá um carro-bomba explodiu perto de uma delegacia, matando quatro civis. Pouco depois, outro explodiu na mesma área, perto de uma escola que será usada como posto de votação. Em Ramadi, reduto de guerrilheiros, seis iraquianos foram mortos em emboscadas.

A imposição de toque de recolher e o temor de uma intensificação da violência no fim de semana levou ontem muitos iraquianos ao comércio para fazer estoques de itens essenciais. Em supermercados, as prateleiras esvaziaram-se rapidamente.

- Sair de casa amanhã (hoje) será perigoso e por isso estou aqui. Não quero levar um tiro - disse Talal Yaldeh, professora de 45 anos, numa fila diante de uma padaria.

A comissão eleitoral espera que oito milhões dos 14,1 milhões de eleitores votem. Os iraquianos elegerão os 275 membros de uma Assembléia Nacional que formará um novo governo. Líderes da minoria sunita - que era protegida por Saddam Hussein - ameaçam boicotar a votação.