Título: O FUTURO DO FÓRUM SOCIAL MUNDIAL EM DEBATE
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Fonte: O Globo, 02/02/2005, O Mundo, p. 33
Em cinco dias, 155 mil pessoas participaram de mais de 3.500 oficinas e reuniões durante o Fórum Social Mundial (FSM), semana passada, em Porto Alegre, a alternativa criada por movimentos sociais de todo o planeta para se contrapor às idéias do Fórum Econômico Mundial. Com o crescimento da estrutura do FSM, como decidir qual o rumo que ele deve tomar para a conquista de um novo mundo possível, frase símbolo do encontro? Deixar discussões intermináveis de lado e partir para a ação, realizando fóruns menores e aumentando ações concretas? Ou manter a riqueza da diversidade de opiniões e tentar mudar a realidade com pequenas mas contundentes ações?
Para ouvir diferentes opiniões sobre o presente e o futuro do FSM, O GLOBO e a Editora Record reuniram ontem no auditório do jornal expoentes do encontro, como parte da série Encontros O GLOBO. Participaram do debate, que teve como mediador o colunista Luiz Garcia, o escritor paquistanês Tariq Ali, o sociólogo português Boaventura de Souza Santos e três brasileiros, o geógrafo Carlos Walter Porto-Gonçalves, o padre Ricardo Rezende Figueira e o jornalista Flávio Tavares.
Tariq Ali afirma que FSM deve se tornar mais concreto
A principal divisão do debate se deu entre a corrente que defende que o FSM deve se tornar ¿mais concreto¿ e que é preciso tomar o poder para promover as mudanças e quem prefere reuniões descentralizadas e distância de governos, pelo menos como estabelecidos hoje.
Ali propôs a realização de fóruns continentais a cada ano para ¿discutir alternativas concretas¿ e, depois, um encontro internacional a cada cinco anos para reunir as informações. E criticou o fato de o FSM ser normalmente hostil a partidos políticos.
¿ Há um debate atual entre os que afirmam que não é possível mudar o mundo sem tomar o poder e aqueles que acreditam que é possível. Na minha opinião, as pessoas estão percebendo que não é possível fazer qualquer coisa a não ser quem esteja no poder queira fazer reformas, mudanças estruturais.
Ele citou como exemplo o movimento zapatista.
¿ A marcha deles até a Cidade do México foi muito legal, muito emocionante, mas não mudou coisa alguma.
O sociólogo Boaventura de Souza Santos discordou. Segundo ele, a estratégia arriscada de tornar o FSM de 2005 ainda mais fragmentado do que os anteriores trouxe mais eficácia. Para ele, a divisão do fórum em 11 temas fez com que grupos se juntassem, discutissem e descobrissem formas de ação.
¿ Houve uma aglutinação, obrigou-se os movimentos a se juntarem para criar ações concretas.
Mesmo reconhecendo que não houve um êxito total na estratégia, citou exemplos de ações que foram acordadas: uma ação mundial para o perdão da dívida externa dos países pobres e uma campanha contra a privatização da água. Para ele, grande parte das ações do FSM não são visíveis, pois muitas lutas que ganham os holofotes depois de anos começaram em reuniões no FSM.
Porto-Gonçalves fala de falência do eurocentrismo
Ele disse que o os movimentos sociais ¿precisam do poder para abolir este poder.¿
Porto-Gonçalves ressaltou as duas visões distintas de Ali e Boaventura, chamando-as de ¿tensão criativa¿, que, segundo ele, aumentou com o novo militarismo americano (um dos poucos pontos pacíficos do debate). Ele utilizou exemplos de movimentos sociais equatorianos que já tomaram o poder, pelo menos no nível municipal.
Porém, criticou a idéia de que é preciso união para mudar o mundo.
¿ Desde pequeno aprendi que a união faz a força. Mas depois descobri que este era o símbolo fascista ¿ disse ele, descrevendo o símbolo formado por gravetos frágeis que unidos se tornam fortes, mas apenas quando amarrados por um laço, ¿uma força externa.¿ ¿ Este é o desafio do Fórum: construir uma unidade que não seja externa.
Para ele, estaria ocorrendo hoje uma ¿falência do eurocentrismo¿ que indica uma só forma de organização do Estado:
¿ Por que todo lugar tem que ter Executivo, Legislativo e Judiciário? A gente já experimentou como uma autoridade indígena elege suas autoridades? Será que essa diversidade que é o planeta não inventou diferentes formas de fazer política?
O padre Ricardo Rezende frisou a luta contra a escravidão contemporânea, sua área de trabalho, dizendo que a experiência do FSM foi importante. Ele citou o exemplo de grupos maranhenses, que para explicar o problema utilizam o teatro, numa forma que surpreendeu grupos como a Organização Internacional do Trabalho.
O jornalista Flávio Tavares ressaltou que a principal área de luta dos movimentos sociais deveria ser a sociedade de consumo, que, segundo ele, está deteriorando os valores éticos e morais das pessoas.