Título: DE VOLTA AO FUTURO
Autor:
Fonte: O Globo, 03/02/2005, O País, p. 4

O presidente Lula ainda estava bafejado pelos ares calorosos, apesar dos 18 graus negativos lá fora, com que foi tratado em Davos no Fórum Econômico Mundial, quando disse, na terça-feira no Supremo Tribunal Federal, que o século XXI pode vir a ser o do grande salto brasileiro. De fato, há uma admiração grande entre os empresários e financistas do mundo pelo trabalho feito até agora pelo governo brasileiro, e certa expectativa quanto à capacidade de seguir em frente com as reformas estruturais que podem garantir ao Brasil esse lugar ao sol entre as nações do mundo.

O presidente Lula pode ter chegado à conclusão otimista de que este é o nosso século através de caminhos que se complementam. No que se refere à capacidade de crescimento da economia, em várias ocasiões as autoridades brasileiras prometeram aos ouvintes em Davos a retomada do ritmo de maneira sustentável nos anos à frente, como aconteceu até os anos 80, quando o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo.

Para se ter uma idéia, nos últimos 50 anos o crescimento médio do Brasil foi de 5,3%, caindo nos últimos 20 anos devido à crise da dívida externa. O crescimento médio brasileiro da última década foi de 2,9%, e nos últimos 20 anos cai para pouco acima de 2%. Até os anos 80, portanto, fomos ¿uma China¿ em termos de crescimento.

É sempre bom ressaltar também que a trajetória dos países nunca é linear. O Japão, por exemplo, que até os anos 90 crescia tanto que literalmente comprava os ativos americanos, e era previsto ser a primeira economia do mundo, ultrapassando os Estados Unidos, a partir do início da década de 90 do século passado estagnou e somente volta a crescer agora.

Segundos estudos de várias consultorias, entre eles o da Goldman Sachs que ficou famoso no mundo dos negócios por ter criado a sigla BRICs ¿ de Brasil, Rússia, Índia e China ¿ se o Brasil conseguir manter um crescimento médio de 3,5% ao ano, nos próximos 30 anos, será a quinta economia do mundo. Já fomos a oitava economia, nos tempos do ¿milagre econômico¿, caímos para a 15ª com a estagnação de 2003 e hoje, com o crescimento de 5,2% projetado para 2004, podemos estar recuperando posições entre as maiores economias do mundo.

Mas para se firmar entre os grandes, o país precisará continuar fazendo as reformas estruturais, e sem dúvida a reforma do Judiciário é uma delas. É impressionante como em todos os debates, em todas as discussões sobre as perspectivas da economia brasileira, a insegurança jurídica surge como um grande obstáculo aos investimentos internacionais no país.

Paradoxalmente, não se discute muito esta questão com relação à China, por exemplo. É como se o risco, real, de problemas com um sistema judiciário virtualmente não existente estivesse incluído no preço de investir na China, já que a chance de lucro é muito grande.

Com relação ao Brasil, não. Afinal, somos uma democracia, e espera-se de uma democracia que as regras sejam respeitadas. Nosso sistema judiciário, lento e cheio de possibilidades de ser contornado, de maneira geral favorece os que têm dinheiro e, em última instância, a corrupção. E este ano em Davos, como todos os temas foram tratados por óticas politicamente corretas, a questão da corrupção surgiu forte em debates sobre o Brasil e também sobre a Argentina.

Ainda nos falta muito para que a percepção internacional nos retire do rol dos países do Terceiro Mundo onde grassam a corrupção e a possibilidade de manipular a Justiça. Em um almoço em que se discutiu a capacidade da economia brasileira de crescer sustentavelmente, o debate, moderado por mim, foi marcado pela ênfase dada às reformas que ainda são necessárias, inclusive uma nova etapa na reforma da Previdência.

E, em uma das mesas, a reforma do Judiciário brasileiro foi citada como fundamental. Houve quem alegasse que o sistema atual alimenta a corrupção, e quisesse compará-lo ao da China, no que foi rebatido imediatamente. Essa insegurança jurídica, no entanto, segundo estudo dos economistas Edmar Bacha, Pérsio Arida e André Lara Resende, seria culpada, entre outras coisas, pela necessidade dos juros altos, partindo da premissa de que não existe um mercado de crédito de longo prazo no país por causa dela.

As razões seriam a possibilidade de mudanças repentinas nas regras do jogo por parte do governo, e as interpretações dos tribunais, que não dão segurança aos contratos. Essa seria a explicação, por exemplo, de não termos financiamentos de longo prazo a juros baixos como nos Estados Unidos e na Europa.

A outra questão central para os investidores é a capacidade de o governo respeitar os contratos. Este ainda é o grande mistério com relação à índole autoritária do governo brasileiro, que volta e meia se revela em medidas como esta última, de embargar as pesquisas do IBGE por 48 horas, até que o governo se prepare para liberá-las.

As agências reguladoras autônomas, que garantem que as negociações entre os concessionários de serviços públicos e o governo serão feitas longe das pressões políticas, estão sendo corroídas em sua autoridade por constantes intervenções dos ministérios, que voltaram a ganhar ascendência sobre os contratos. E, mais recentemente, pela nomeação de protegidos políticos para cargos técnicos, o que evidencia o desejo do governo de poder intervir. São questões que ainda rondam a economia brasileira, que voltou a ser o país do futuro, uma das grandes apostas internacionais.